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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Virou "encenação" para comunidade internacional, diz ativista


Com inúmeras modificações e cercada por pressão de todos os lados, a Comissão da Verdade pode sair do papel nos próximos meses. Entretanto, para Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, caso a comissão seja posta em prática nos moldes como se encontra, será uma "mise en scène" do governo brasileiro. O alvo da encenação, na visão da ativista, seria a comunidade internacional, já que o Brasil vem sofrendo pressões externas para investigar os crimes cometidos por agentes da ditadura de 1964 a 1985.
Segundo ela, é melhor que não se faça nenhuma comissão para o resgate da memória dos crimes da ditadura militar do que fazer da maneira como a que está se delineando. "Somos a favor de uma Comissão da Verdade. Mas uma comissão autônoma e independente do governo e diferente desta que está sendo feita", ressaltou.
A Comissão de Verdade é vista como etapa necessária para resgatar a verdade histórica do período de repressão, com a responsabilização dos agentes que praticaram crimes, considerados de lesa-humanidade ou hediondos, o que os tornaria imprescritíveis. Para Cecília Coimbra, o formato proposto pelo projeto de lei que cria a comissão não permite independência nem autonôma suficientes aos trabalhos, o que comprometeria os objetivos.
Confira a entrevista com Cecília Coimbra:
RBA – O que se espera da Comissão da Verdade da forma como está sendo proposta?
As entidades de direitos humanos reivindicam de diferentes governos federais a formação de uma comissão da "verdade, memória e justiça", como ocorreu em outros países latino-americanos que passaram por recentes ditaduras. O Brasil está sendo o último a discutir essa questão. Em si, isso já é um problema que a gente tem de levantar e pensar criticamente.
Esse projeto de lei é muito pior do que foi proposto pela primeira vez.  A Comissão da Verdade continuará sendo anti-democrática. Continuará sendo não autônoma, nem independente. Continuará sendo totalmente vinculada ao governo federal.
Entre países latinoamericanos que passaram por recente ditadura, o Brasil é o mais atrasado no processo de reparação. Refiro-me a reparação em sentido mais amplo, não simplesmente como uma questão financeira. Para nós, reparação segue o conceito dado pela Organização das Nações Unidas (ONU), é um processo de investigar, esclarecer, tornar público e responsabilizar os responsáveis cometidos pelos agentes do estado num regime de opressão e que produziram crimes de lesa humanidade.
RBA – Por que se critica a forma com que os textos da atual comissão foram decididos?
Essa é uma comissão extremamente limitada e perversa. Ela veio no bojo do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), durante o governo Lula, em dezembro de 2009 (que desencadeou reações de setores conservadores da sociedade). Essa questão tinha aparecido por sugestão de várias entidades de direitos humanos na Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em 2008.
No PNDH-3, foi colocada a questão da comissão, muito em função das sugestões que tinham sido feitas na conferência. Entretanto, a comissão foi colocada em uma perspectiva limitada, vista pelas entidades sob aspecto crítico, porque se colocava como uma comissão não autônoma e não independente do governo federal. Ao contrário, a proposta feita era de uma comissão vinculada claramente ao governo, e somente teria um representante da sociedade civil se fosse indicado pelas autoridades que já fosse parte da comissão. Para nós, é um formato extremamente antidemocrático e prejudicial à independência e ao funcionamento da comissão.
É preferível que não haja nenhuma comissão do que essa. Da forma como está, vai ser uma mise en scène do governo federal diante de todas as pressões internacionais por investigação. O que estão  propondo é uma brincadeira, não é uma comissão.
RBA – E de onde veio tanta pressão para que ela fosse mudada?

Houve pressão do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes das três Forças Armadas.  A pressão foi, inclusive, para o próprio PNDH, uma chantagem dessas autoridades ao Executivo. O ministro Jobim afirmou que deixaria o cargo se a comissão funcionasse como estava proposto. O governo acabou voltando atrás em relação a uma série de questões do plano, como a comunicação, a questão do aborto, dos movimentos ligados à reforma agrária, inclusive a comissão da verdade.
Em maio de 2010, foi anunciada uma reformulação do PNDH-3, em função não só dessa chantagem, mas de outras forças conservadoras que se levantaram contra o aborto, contra a questão da terra, das comunicações.
RBA – Quais os pontos mais críticos da proposta de Comissão da Verdade em discussão?
O retrocesso foi tão perverso que retirou a palavra "justiça" dos textos. Ou seja, em momento nenhum vai responsalizar alguém. E eu não estou falando a palavra punir, mas colocando responsabilização. O que a gente busca é que os atos criminosos tornem-se públicos, que os nomes e atos sejam conhecidos e que eles sejam responsabilizados até eticamente. Nós não somos a Justiça.
Também se retirou a referência ao período de ditadura cívico-militar, ou seja, o que se dizia anteriormente na comissão era de que faria uma investigação sobre os crimes cometidos durante o período de 1964 a 1985 e isso foi retirado da proposta.
Serão investigadas violações de direitos humanos no período de 1946 a 1988, ou seja, violações de direitos humanos todos estão cometendo, inclusive governos dito democráticos, do pós-ditadura. É como se o período da ditadura desaparecesse da história do país. Para nós, manter a restrição ao período é muito importante em relação à memória, pois as próximas gerações não saberão que existiu nesse país uma ditadura que implantou o terrorismo de Estado. Esse projeto de lei é muito pior do que foi proposto pela primeira vez. Continua sendo antidemocrático, continua sem autonomia, sem independência, vinculado ao governo federal.
RBA – O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro é contra essa comissão, que tem o aval do governo federal?
Somos profundamente contrários a essa proposta de criação de Comissão Nacional da Verdade por ter limitações perversas, inclusive desrespeitando a memória do país e tentando ocultar das novas gerações o que ocorreu efetivamente. A gente quer uma comissão da verdade que seja autônoma e independente e possa investigar, esclarecer, publicizar todos aqueles que cometeram crimes durante o período de 1964 e 1985.
Estamos extremamente críticos e um tanto quanto pessimistas. Assim como na discussão da abertura dos arquivos secretos, com na questão da Guerrilha do Araguaia, a gente percebe que não há vontade política, porque todos os governos civis fizeram, ou continuam fazendo, acordos políticos com pessoas que respaldaram a ditadura. Então, há essa falta de vontade para se esclarecer efetivamente os crimes cometidos.
Por Virginia Toledo
Fonte: Brasil de Fato 

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