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"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros". (Che Guevara)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A parte de cada um

Sempre que ocorre um crime, seja contra o patrimônio ou contra a vida, o primeiro sentimento que irrompe em boa parte da população brasileira, que clama por mais violência para combater a violência, é o da vingança. Setores mais conservadores, à direita, pedem mais polícia, enquanto a esquerda fala em mais educação e distribuição de renda. Se é verdade que a educação e a economia podem ser aliadas na luta contra a violência, parece pouco provável, porém, que floresça uma nova sociedade apenas porque as pessoas têm mais dinheiro e conhecimento da norma padrão da língua. Se isso fosse verdade, não haveria tantos crimes cometidos por pessoas de fala muito educada e renda per capita muito acima da média.
A política de segurança pública no país se limita, na maioria dos casos, a promover ações que têm por objetivo calar, sufocar, amedrontar e até mesmo eliminar aqueles que reagem com violência contra a violência de que são vítimas. Uma resposta seletiva, preconceituosa e discriminatória, que só faz aumentar a corrupção e a insegurança.
O modelo de escola que temos pouco ajuda a transformar a realidade. É resultado da ação de políticas que são definidas por boa parte dos mesmos setores que não se interessam em dividir a renda e o conhecimento entre a população brasileira. E os professores e alunos que ali estão não raro se comportam e defendem pontos de vista muito parecidos com aqueles que se encontram fora dos muros da escola. A disputa de cargos, os interesses políticos, a falta de condições mínimas de trabalho, estudantes que refletem a violência de seus lares e dos locais onde vivem, pais que não impõem limites a seus filhos, tudo contribui para o fracasso de uma ação que busca na educação respostas aos anseios de justiça social, paz e harmonia. Mas como a escola pode responder a essa expectativa se é também violentada diariamente? Se em seu restrito espaço também se reproduz a violência, a ganância, a individualidade, o consumismo, a falta de limites e o estímulo para a busca desenfreada de prazer e poder a qualquer custo?
Nada mais falso do que atribuir a corrupção aos políticos brasileiros, como se fossem uma casta de privilegiados que não tivessem ramificações em toda a sociedade, em cada esquina do país. Como se esses políticos não fossem também empresários, médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, economistas e toda a lista de profissões em maior destaque no Brasil. Como se pudessem chegar ao poder sem o apoio de tantos iguais em suas profissões ou em suas alianças com outros segmentos e até mais diretamente com cada eleitor, isoladamente.
A corrupção, a violência e outras mazelas do cotidiano formam uma teia pacientemente tecida com a nossa adesão (por mais eventual que seja) ou omissão. Quanto mais ela se estende, mais nos apanha em nosso dia a dia. A corrupção não pode ser vista como um fenômeno isolado, pertencente a uma camada social, ou a um determinado partido, ou a um grupo deles, ou a um governo. Ou ainda como um desvio moral de determinados cidadãos. É algo mais intrínseco à própria formação da sociedade, à própria estrutura política, econômica e social do país. Mas que não se busque no passado, nas etnias, a explicação para as infâmias que hoje proliferam.
Neste caldo de cultura, em que, de alguma forma, somos um pouco vítimas e cúmplices, a justiça e a ética se alimentarão da vontade de subverter o cotidiano, de lutar contra as nossas fraquezas, de dizer "não” quando é tão mais cômodo e prazeroso dizer "sim”. De pequenos gestos que já foram ensinados outrora em boa parte das famílias, noções de honra e dignidade, senso de justiça, recusa ao que não nos pertence ou é imerecido.
Dessa opção por não trilhar o caminho mais fácil, começam as possibilidades de mudança. De ter a perspicácia de identificar o inimigo, às vezes tão sedutor, como os meios de comunicação e a publicidade, fortes protagonistas na criação de identidades, na construção de valores. Como pode a mídia –sem um mínimo de hipocrisia– dizer que não é uma das principais responsáveis pelo modelo de sociedade que hoje temos? Mídia, igreja, escola –para ficar em apenas três importantes atores sociais– são essencialmente formadores do caráter da nação.
Juntamente com a elite econômica, intelectual, com o Judiciário e os partidos políticos. Esqueci de alguém? Pode ser, estão todos aí, basta procurá-los, mas atenção: eles são bastante convincentes, dizem o oposto do que costumeiramente praticam.
Verdade seja dita: eles são nós! Nenhum deles sobrevive sem a nossa renovada participação e adesão às causas que professam. Quando dizemos que a violência e a corrupção chegaram a um patamar insustentável, resta saber se estamos prontos a repensar as nossas crenças, valores e atitudes, à direita e à esquerda, porque "isso que aí está” é muito parecido com o que nós somos. Ou contribuímos para que assim fosse. Por mais que tenhamos álibis quase perfeitos. Do tipo "eu não faço parte disso aí”. De alguma forma, ou porque não tivemos a lucidez de combater quem tínhamos que combater, ou apoiar quem deveríamos ter apoiado –porque era mais fácil nos isolarmos no egoísmo (às vezes) de nossas crenças políticas e ideológicas– somos parte do problema.
Nossos menores gestos, nossos "jeitinhos”, nossa relativização das regras quando interessa, nossas justificativas pouco éticas quando os fins justificam os meios, quando é por uma boa causa, ou "é uma coisinha insignificante”, nossas escolhas, nossa voz fraca diante de tantos abusos contribuem para a formação de uma sociedade permissiva, excludente e preconceituosa. A solução começa por aceitar que não somos tão inocentes.

Por Celso Vicenzi
Fonte: Adital

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