Sempre que ocorre um crime, seja contra o patrimônio ou
contra a vida, o primeiro sentimento que irrompe em boa parte da população
brasileira, que clama por mais violência para combater a violência, é o da
vingança. Setores mais conservadores, à direita, pedem mais polícia, enquanto a
esquerda fala em mais educação e distribuição de renda. Se é verdade que a
educação e a economia podem ser aliadas na luta contra a violência, parece
pouco provável, porém, que floresça uma nova sociedade apenas porque as pessoas
têm mais dinheiro e conhecimento da norma padrão da língua. Se isso fosse
verdade, não haveria tantos crimes cometidos por pessoas de fala muito educada
e renda per capita muito acima da média.
A política de segurança pública no país se limita, na
maioria dos casos, a promover ações que têm por objetivo calar, sufocar,
amedrontar e até mesmo eliminar aqueles que reagem com violência contra a
violência de que são vítimas. Uma resposta seletiva, preconceituosa e
discriminatória, que só faz aumentar a corrupção e a insegurança.
O modelo de escola que temos pouco ajuda a transformar a
realidade. É resultado da ação de políticas que são definidas por boa parte dos
mesmos setores que não se interessam em dividir a renda e o conhecimento entre
a população brasileira. E os professores e alunos que ali estão não raro se
comportam e defendem pontos de vista muito parecidos com aqueles que se
encontram fora dos muros da escola. A disputa de cargos, os interesses
políticos, a falta de condições mínimas de trabalho, estudantes que refletem a
violência de seus lares e dos locais onde vivem, pais que não impõem limites a
seus filhos, tudo contribui para o fracasso de uma ação que busca na educação
respostas aos anseios de justiça social, paz e harmonia. Mas como a escola pode
responder a essa expectativa se é também violentada diariamente? Se em seu
restrito espaço também se reproduz a violência, a ganância, a individualidade,
o consumismo, a falta de limites e o estímulo para a busca desenfreada de
prazer e poder a qualquer custo?
Nada mais falso do que atribuir a corrupção aos políticos
brasileiros, como se fossem uma casta de privilegiados que não tivessem
ramificações em toda a sociedade, em cada esquina do país. Como se esses
políticos não fossem também empresários, médicos, advogados, engenheiros,
jornalistas, economistas e toda a lista de profissões em maior destaque no
Brasil. Como se pudessem chegar ao poder sem o apoio de tantos iguais em suas profissões
ou em suas alianças com outros segmentos e até mais diretamente com cada
eleitor, isoladamente.
A corrupção, a violência e outras mazelas do cotidiano
formam uma teia pacientemente tecida com a nossa adesão (por mais eventual que
seja) ou omissão. Quanto mais ela se estende, mais nos apanha em nosso dia a
dia. A corrupção não pode ser vista como um fenômeno isolado, pertencente a uma
camada social, ou a um determinado partido, ou a um grupo deles, ou a um
governo. Ou ainda como um desvio moral de determinados cidadãos. É algo mais
intrínseco à própria formação da sociedade, à própria estrutura política,
econômica e social do país. Mas que não se busque no passado, nas etnias, a
explicação para as infâmias que hoje proliferam.
Neste caldo de cultura, em que, de alguma forma, somos um
pouco vítimas e cúmplices, a justiça e a ética se alimentarão da vontade de
subverter o cotidiano, de lutar contra as nossas fraquezas, de dizer "não”
quando é tão mais cômodo e prazeroso dizer "sim”. De pequenos gestos que já
foram ensinados outrora em boa parte das famílias, noções de honra e dignidade,
senso de justiça, recusa ao que não nos pertence ou é imerecido.
Dessa opção por não trilhar o caminho mais fácil, começam as
possibilidades de mudança. De ter a perspicácia de identificar o inimigo, às
vezes tão sedutor, como os meios de comunicação e a publicidade, fortes
protagonistas na criação de identidades, na construção de valores. Como pode a
mídia –sem um mínimo de hipocrisia– dizer que não é uma das principais
responsáveis pelo modelo de sociedade que hoje temos? Mídia, igreja, escola
–para ficar em apenas três importantes atores sociais– são essencialmente
formadores do caráter da nação.
Juntamente com a elite econômica, intelectual, com o
Judiciário e os partidos políticos. Esqueci de alguém? Pode ser, estão todos
aí, basta procurá-los, mas atenção: eles são bastante convincentes, dizem o
oposto do que costumeiramente praticam.
Verdade seja dita: eles são nós! Nenhum deles sobrevive sem
a nossa renovada participação e adesão às causas que professam. Quando dizemos
que a violência e a corrupção chegaram a um patamar insustentável, resta saber
se estamos prontos a repensar as nossas crenças, valores e atitudes, à direita
e à esquerda, porque "isso que aí está” é muito parecido com o que nós somos.
Ou contribuímos para que assim fosse. Por mais que tenhamos álibis quase
perfeitos. Do tipo "eu não faço parte disso aí”. De alguma forma, ou porque não
tivemos a lucidez de combater quem tínhamos que combater, ou apoiar quem
deveríamos ter apoiado –porque era mais fácil nos isolarmos no egoísmo (às
vezes) de nossas crenças políticas e ideológicas– somos parte do problema.
Nossos menores gestos, nossos "jeitinhos”, nossa
relativização das regras quando interessa, nossas justificativas pouco éticas
quando os fins justificam os meios, quando é por uma boa causa, ou "é uma
coisinha insignificante”, nossas escolhas, nossa voz fraca diante de tantos
abusos contribuem para a formação de uma sociedade permissiva, excludente e
preconceituosa. A solução começa por aceitar que não somos tão inocentes.
Por Celso Vicenzi
Fonte: Adital
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