A Amazônia tem a maior bacia hidrográfica do planeta, que drena rios
espalhados por 3 milhões de quilômetros quadrados, com 8% da água
superficial da Terra nesse circuito. Apesar disso, a possibilidade de
gerar energia em grande escala na região sempre foi encarada com receio
ou desconfiança.
A fronteira energética amazônica fica distante pelo menos dois mil
quilômetros dos principais centros consumidores. Levar energia até eles
exige geração em grande escala e extensas linhas de transmissão em alta
tensão. Sem essa combinação, o empreendimento não se torna econômico.
Mas não basta montar uma equação viável comercialmente e sólida como
obra de engenharia. As características naturais amazônicas são adversas a
intervenções humanas desse impacto. Os rios são de planície, com baixa
declividade natural. Represados, suas águas voltam sobre seu curso,
submergindo áreas extensas. Os danos sobre um vasto conjunto de riquezas
biológicas são elevados e profundos.
Até 1973 imaginava-se que apenas barragens de baixa queda
seriam construídas na Amazônia, para atender demandas localizadas,
próximas do aproveitamento energético. Nesse ano o governo federal criou
a Eletronorte e decidiu mudar a abordagem. A Amazônia teria que
fornecer energia abundante e transmiti-la por longas distâncias até os
centros mais desenvolvidos do país, que, assim, continuariam a ser os
mais desenvolvidos (e a Amazônia permaneceria como fronteira, ou
colônia).
Com essa visão, o regime militar construiu a maior (Itaipu, no rio
Paraná, no extremo meridional do país) e a quarta maior (Tucuruí, no rio
Tocantins, no Pará) hidrelétrica do mundo. Itaipu é considerada uma das
sete maravilhas da engenharia moderna mundial. Tucuruí tem o maior
salto em esqui já edificado pelo homem(a água que sai pelas aberturas da
barragem, depois de movimentar as turbinas).
Os danos socioambientais das duas usinas não podem ser minimizados.
Se Itaipu fosse concebida hoje, a sociedade brasileira aceitaria que ela
causasse o sacrifício das cataratas de Sete Quedas, que proporcionava
aos visitantes um dos espetáculos mais deslumbrantes da Terra? Tucuruí
teria aprovação ambiental para submergir uma área de 3.100 quilômetros
quadrados, na qual surgiu o segundo maior lago artificial do Brasil? Só
para comparar: o lago Paranoá, em Brasília, tem 48 km2.
No entanto, um quarto de toda a demanda nacional por energia é
atendida por essas duas hidrelétricas, situadas em pontos inteiramente
opostos no território brasileiro, separadas por mais de quatro mil
quilômetros de distância. O governo, então, agiu certo ao construí-las, a
despeito de seus ônus ambientais e sociais?
Não é fácil nem simples dar uma resposta consistente a essa questão. A
legislação ecológica do Brasil só se consolidou a partir de 1981,
quando as obras das duas gigantescas usinas já estavam bem adiantadas.
Uma prova de que a consciência nacional sobre a natureza e os direitos
humanos e sociais avançou é que nenhuma das duas obras seria agora
licenciada conforme os projetos originais.
A decisão sobre esses projetos aconteceu na década de 70. Vigia – e
até hoje permanece em vigor – na construção de uma obra o princípio se
que ela só passa a ter existência concreta quando sua viabilidade
econômica é comprovada. A única alternativa para essa regra de ouro do
capitalismo é o subsídio, exceção que lhe nega as melhores virtudes. É
quando, mesmo sem poder se pagar, a obra é executada porque alguém
assumirá o seu custo, sem se preocupar com o retorno do investimento
realizado. Em geral, a exceção só ocorre quando o governo é quem paga a
conta. Como governo não produz, a conta é repassada ao contribuinte,
aquele que paga impostos.
O que define a rentabilidade de uma hidrelétrica é o seu "fator de
carga”. Ou seja: a energia que ela poderá oferecer o ano inteiro. A
média é tirada entre o pico da geração, quando há água para acionar
todas as turbinas instaladas na casa de força (e ainda sobra para ser
vertida de um lado para outro da barragem, sem passar pelas máquinas), e
o mínimo do verão. Para que uma hidrelétrica amortize o que nela foi
gasto, é preciso que essa energia firme varie em torno de 55% da
capacidade nominal de geração.
Como a diferença de vazão no rio Paraná não é tão grande, o "fator de
carga” de Itaipu é de 61%, acima, portanto, do ponto de equilíbrio. Por
isso a usina é rentável e sustenta o Paraguai, que divide sua
propriedade com o Brasil (mesmo sem ter investido na obra).
Já em Tucuruí a energia média é de 49%. Podia ser um pouco maior e
talvez chegar aos 55% desejados. Mas para isso a crista da barragem, que
é de 72 metros, teria que ser elevada. A inundação se tornaria
desastrosa, mesmo sem chegar à catástrofe que foi a usina de Balbina, no
Amazonas, obra também do regime militar (com apenas 3% da potência de
Tucuruí, inundou área equivalente a 80% do que foi submerso no
Tocantins).
Tucuruí só não levou a Eletronorte à ruína porque, sendo estatal, foi
socorrida pelo tesouro nacional. Seus prejuízos cresceram ainda mais
porque as duas maiores clientes da Eletronorte, a Albras e a Alumar,
duas das maiores fábricas de alumínio do mundo, ganharam tarifas
subsidiadas (abaixo do custo de geração).
Instaladas em Belém e São Luiz do Maranhão, as duas indústrias, agora
sob controle multinacional pleno, são responsáveis por 3% do consumo
nacional de energia. Os prejuízos da Eletronorte acabaram sendo
absorvidos pelo governo e pela Eletrobrás, a holding do sistema. E
repassados para os cidadãos.
As administrações democráticas do sociólogo Fernando Henrique Cardoso
e do operário Luiz Inácio Lula da Silva, seguida pela companheira Dilma
Rousseff, ao contrário do que delas se podia supor na época do regime
militar, ao qual se opunham e pelo qual eram perseguidos, pretendem
intensificar – e não arrefecer – a construção de mega-hidrelétricas na
Amazônia. Parecem convencidas de que os benefícios dessas obras
extravasarão seus custos. Vão corrigir os erros já praticados ou
repeti-los, agravados?
O teste decisivo está sendo realizado na Amazônia, onde já estão em
obras três grandes hidrelétricas, com potência global de 18,5 mil
megawatts e investimento de mais de 50 bilhões de reais. Elas
interrompem ou dão prosseguimento ao modus operandi do regime militar?
O "fator de carga” de Itaipu, a maior do mundo, é de 61%. A de
Tucuruí, a quarta maior, ficou em 49%; por isso a usina do rio
Tocantins, no Pará, teve que ser subsidiada. O fator de carga na
hidrelétrica de Santo Antônio é de 70% e na de Jirau, também no rio
Madeira, em Rondônia, é de 57%. Já a energia firme de Belo Monte, no
Xingu, ainda em território paraense, está prevista para ser de 40%.
À margem do grosso tiroteio que o projeto tem provocado, duas
perguntas elementares precisam ser respondidas: por que a energia média
ficou tão baixa? E por que, mesmo assim, o governo decidiu levar avante o
projeto?
Para que Belo Monte gerasse mais energia era preciso que a barragem
fosse mais alta, para aumentar a queda de água na direção das máquinas
e, ao mesmo tempo, estocar mais água no seu reservatório para o período
de estiagem. Nessa época, a vazão do rio é mínima, insuficiente para
acionar uma só das 20 enormes máquinas da usina, cada uma delas
necessitada de 700 mil metros cúbicos por segundo.
Com isso, porém, a área de inundação de Belo Monte seria enorme.
Alagar tanta terra sempre foi o calcanhar de Aquiles do projeto. Foi o
que o manteve congelado durante mais de um terço da sua história, desde
que o rio começou a ser inventariado (na segunda metade dos anos 1970,
em pleno regime militar), por causa da reação da opinião pública a esse
desastre ecológico.
A segunda barragem, de Babaquara, rio acima, concebida para
regularizar o Xingu naquele trecho, foi cancelada. O lago de Belo Monte,
que era originalmente de 1.600 quilômetros quadrados, foi reduzido a
510 km2, seis vezes menos do que o reservatório de Tucuruí, o segundo
maior lago artificial do Brasil. E a potência instalada de Belo Monte
será de 11 mil megawatts contra pouco mais de 8 mil MW de Tucuruí. Uma
relação energia/área inundada muito mais saudável, portanto.
Ao puxar o lençol do reservatório para cobrir a chaga ecológica do
alagamento de terra, os técnicos criaram o projeto da maior hidrelétrica
a fio d'água do mundo. Essas usinas são de pequeno ou médio porte
justamente porque, sem reservar água para o verão, funcionam apenas com o
que flui naturalmente pela bacia de drenagem. Param no verão.
Para quê construir uma enorme estrutura se no verão o vertimento
natural será insignificante? É o que explica as duas primeiras
hidrelétricas da Amazônia, construídas antes da era das gigantescas
usinas, como Tucuruí, terem entre 30 e 40 MW, no Pará e no Amapá. Uma
única turbina de Belo Monte terá 20 vezes mais potência do que as
hidrelétricas de Curuá-Una e Coaracy Nunes.
Engenhosos, os engenheiros buscaram uma alternativa. Já que não iam
estocar energia para o verão, sugeriram que fosse aproveitado o desnível
de 90 metros que há entre o ponto a montante do rio, onde ficará a
barragem secundária (no sítio Pimental), de baixa queda, e a casa de
força, a jusante, numa distância de 50 quilômetros. É aí que se localiza
a Grande Volta do Xingu, um paraíso natural que os críticos de Belo
Monte garantem que a usina destruirá.
Para a água descer com fluência, o projeto prevê a construção de
canais de concreto na direção da casa de máquinas, aproveitando a
drenagem natural. Este é o elemento mais polêmico da engenharia em si:
esses canais funcionarão a contento? São seguros contra grandes impactos
ambientais? Tratando-se de uma estrutura que utilizará mais concreto do
que o aplicado no canal do Panamá, não são questões irrelevantes.
Os desafios à engenharia, pelo contrário, são imensos. Tão grandes
que o orçamento oficial de Belo Monte subiu de 19 bilhões de reais para
bem próximo de R$ 30 bilhões, sem incluir mais uns dois terços de
investimento na extensa linha de transmissão de energia. Tão incertos
que todas as empreiteiras de tradição no setor pularam o balcão:
deixaram de ser sócias no projeto de energia para se tornarem suas
construtoras. Ao invés de investir, vão faturar com aquilo que mais
sabem fazer: realizar a obra em si e, graças ao seu gigantismo, manter
seu poder político.
Quem investirá? As estatais, é claro, e seus fundos, mas
principalmente com o dinheiro do BNDES, que, não tendo tanto (prometeu
entrar com 80% do valor necessário), teve que recorrer ao tesouro
nacional; que, por sua vez, se desvia de suas funções mais nobres para
garantir a sangria do erário.
De tanto mexer no projeto original de Belo Monte, que era inaceitável
(só um regime de força podia impô-lo goela abaixo da nação, como
aconteceu com Tucuruí e Itaipu), os engenheiros criaram um monstro, um
Frankenstein energético. Para que ele funcione, o governo (e, no fim da
fila, o contribuinte) terá que pagar a fatura. Para que, ao menos no
inverno, a maior hidrelétrica do país mande energia na direção sul.
Apenas 3% ficarão na própria Amazônia.
Ao invés de fixar a riqueza da região, Belo Monte a sugará. Um modelo
colonial com a marca do PT de Lula, de Dilma e de quem mais aparecer.
Por Lúcio Flávio Pinto
Fonte: Adital
Um comentário:
Para se promover vale tudo,ate pegar carona em belo monte como a sr Lucio Flavio está fora de moda vamos criticar é moda ora sr va fazer algo mais produtivo para o pais e não use o projeto para se projetar falar é fácil dificil é trabalhar.
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