Estudioso no mundo do trabalho, o professor Ricardo Antunes escreveu
há poucos dias um oportuno artigo no qual enuncia que a percepção de que
as elites saqueiam o Estado, “minguando os recursos para saúde,
educação e previdência”, chegou definitivamente à periferia. “A tela
está ficando quente”, sentenciou o titular de Sociologia da Unicamp,
consignando em seu texto a série de protestos e revoltas deflagrados
desde o início de 2011 nos quatro cantos do planeta.
Na Grécia, “a
pólis moderna presenciou uma nova rebelião do coro”, em violenta reação
à fórmula de captação de recursos públicos em prol das grandes
corporações. Já a Tunísia deu o alerta no mundo árabe, farto da
explosiva receita de opressão e miséria sob um regime de benesses dos
clãs sustentados pela riqueza petrolífera. Portugal viu surgir a
“geração à rasca”, que só em Lisboa reúne mais de 200 mil jovens e
imigrantes, quase todos sem trabalho ou subempregados; são eles os
criadores do movimento Precári@s Inflexíveis, cujo manifesto evoca o tom
libertário dos documentos escritos pelas organizações de trabalhadores
em épocas de agudo conflito social. Eis alguns trechos:
“Somos
operadores de call center, estagiários, desempregados [...] Não temos
férias, não podemos engravidar nem ficar doentes. Direito à greve, nem
por sombras. [...] Estamos na sombra, mas não calados. Com a mesma força
que nos atacam os patrões, respondemos e reinventamos a luta. Afinal,
nós somos muito mais do que eles. Precári@s, sim, mas inflexíveis.”
A
inquietude, por certo, espraiou-se por vários outros rincões. Há
indignação na Espanha, onde 47% dos jovens de 18 a 24 anos não têm
emprego, e na Inglaterra, sacudida por violenta rebelião depois que a
polícia assassinou um jovem trabalhador negro no bairro de Tottenham, em
Londres. E a onda há muito já se manifesta no Chile, aglutinando
estudantes e trabalhadores contra a falida política neoliberal do
governo Piñera, em mais um exemplo cabal das inúmeras
“transversalidades” que se estendem entre classe, geração, gênero e
etnia – “um sinal dos novos tempos”, segundo nos adverte Antunes.
O
Brasil – devem alguns imaginar – talvez esteja mais uma vez excluído do
bonde da História. De fato, seja pela política de “compensação social”
da era Lula, seja por meio da cooptação de boa parte das lideranças
sindicais pela máquina do Estado, a impressão que se tem é a de que o
movimento popular estaria em compasso de espera, aguardando a evolução
da conjuntura para assumir uma postura mais incisiva no cenário de
profunda iniquidade nacional.
Ledo engano, meu caro leitor. A
chapa também está ficando quente por aqui. Enquanto escrevo esta
crônica, mais de três mil estudantes saem às ruas de Teresina, em
combativa marcha contra o aumento no preço das passagens de coletivos. E
outros tantos operários da construção civil voltam a cruzar os braços
no Maracanã, exigindo do onipotente consórcio (Andrade Gutierrez,
Odebrecht e Delta) que realiza a polêmica obra de “reforma” do estádio
condições básicas de trabalho para prosseguir sua jornada. Isso sem
falar na luta dos nossos colegas docentes das escolas e institutos
federais de ensino, que foram “recepcionar” Dilma e Haddad na Bienal do
Livro
(RJ), pleiteando, com vigor, mais recursos públicos para a
Educação, área cada vez mais dominada por empresas privadas e grupos de
investidores ávidos de lucro fácil (já existem até páginas na web
oferecendo “descontos” de 80% nas faculdades!).
Mesmo sem o grau
de organização e amplitude de grupos como a “geração à rasca” portuguesa
ou o movimento estudantil chileno, é possível perceber que há algo de
novo na República Federativa de Bruzundanga. Crescem, em quantidade e
qualidade, as demandas das classes populares, após uma era de refluxo
das lutas sociais e ostensiva cooptação de seus líderes. Parafraseando
Ricardo Antunes em sua alusão à cena mundial, a tela já está esquentando
do lado de cá – e haja Itaquerão para aplacar a indignação desta gente
bronzeada quando ela começar a mostrar seu valor...
Por Luiz Ricardo Leitão
Fonte: Brasil de Fato
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