Na
medida em que se aproxima a votação do Código Florestal no Senado, crescem as
apreensões sobre a urgência de acertos indispensáveis, que tenham presente os
diversos aspectos da questão, para que não se aprove uma lei que venha causar
prejuízos inesperados, por falta de percepção de suas implicações.
Como
na arte fotográfica, o novo Código Florestal precisa de duas abordagens
simultâneas. Uma é a imagem captada quando usamos a lente grande angular, onde
cabem dentro todos. Outro é o resultado quando focamos a lente num ponto
determinado, e o ampliamos para ser melhor percebido.
O
Código Florestal deve ser olhado com as duas lentes.
No
seu conjunto, ele precisa ter uma estrutura coerente e uma articulação
orgânica, em que os diversos pontos convergem para fortalecer sua visão
unitária. Ao mesmo tempo, cada detalhe merece ser olhado com lupas de aumento, para
conferir suas propostas, para que produzam o resultado esperado.
Se
nos perguntamos o que está em jogo com o Código Florestal, usando lente grande
angular, acabamos flagrando o Brasil todo, com seus diversos biomas, desde a
floresta amazônica, o cerrado, a caatinga, a mata atlântica, o pantanal e o
pampa, mas também, com muita evidência, a população brasileira, que não pode
ser olhada como se fosse um detalhe secundário, mesmo se tratando de uma lei
cujo foco são as florestas. A visão global não dispensa o enfoque específico.
Depois da grande angular, é preciso usar a lente de aproximação.
Pois
bem, vamos aos detalhes. Constatamos de imediato que todos os biomas merecem
uma atenção própria. As urgências podem ter procedência diferente, mas são
todas válidas. Algumas para em tempo conservar o que ainda resta, como é o caso
da mata atlântica. Outra urgência é mais própria da floresta amazônica, ainda em
tempo de preservá-la na sua importância nacional e mundial. Estas urgências
precisam de adequada tradução legal, pela acertada formulação que o novo Código
deve apresentar.
Ligada
às florestas está a água, cuja realidade se traduz em rios, riachos, córregos,
sangas, fontes, vertentes, açudes, represas, aquíferos. A água tem direito de
cidadania em qualquer código florestal que se queira elaborar.
Outro
aspecto que não pode faltar é a ampla e complexa realidade da agricultura.
Também pudera: o solo, a água, as florestas, formam nosso hábitat. Dele
dependemos, dele precisamos cuidar, para que continue nos garantindo vida. Um
código florestal sábio não pode errar num ponto tão vital como este.
Mas
agora, com a lente de aproximação, identificamos um elo muito frágil, mas muito
importante, por diversos motivos, no conjunto abrangido pelo Código Florestal. Trata-se
dos pequenos agricultores. Eles merecem um cuidado todo especial. Pois não
podemos permitir que se repitam erros históricos, que ainda hoje pesam sobre a
realidade brasileira, fruto de leis equivocadas, mesmo feitas com boa intenção.
Vale a pena lembrar, pois a história nos ensina.
Já
em 1850, com a "lei de terras”, no Brasil só os ricos passaram a ter acesso
fácil à terra, enquanto os pobres ficaram a ver navios. Depois, mais
recentemente, com a extensão dos direitos trabalhistas urbanos ao campo, se
produziu um verdadeiro despejo de pequenos agricultores e trabalhadores rurais
para a periferia das cidades, quase todos futuros candidatos à bolsa família. Enquanto
advogados faturaram alto incentivando processos trabalhistas em que pobres
exploravam pobres, até nivelar todos por baixo. É triste constatar que sempre
existem instâncias intermediárias, que em situações como esta, exploram as
deficiências do poder público, e faturam em cima de causas que são justas, mas
servem de pretexto para condicionar a lei em favor de interesses corporativistas
dos mais diversos. O alerta vale sempre, também agora!
Às
vezes as utopias, aliadas a ingenuidades, produzem grandes desastres.
O
elo mais frágil de todo o conjunto do novo Código Florestal são os pequenos
agricultores. Eles precisam de uma atenção especial. Pois correm o risco de
sofrer de imediato as consequências negativas de eventuais itens equivocados do
Código. Uma coisa é lidar com a natureza, que tem fôlego de milênios, e sempre
será tempo de corrigir equívocos. Outra coisa é lidar com situações sociais,
cujos processos de sustentação podem degenerar rapidamente, com consequências
negativas irreversíveis.
Se
a CNBB tem uma causa histórica a defender neste Código Florestal, sem dúvida
nenhuma, é a causa dos pequenos agricultores. Para que não se inviabilize de vez
a agricultura familiar, que já tem tantas adversidades a enfrentar.
O
novo Código não pode significar o atestado de falência da agricultura na
pequena propriedade no Brasil!
Por Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
Fonte:Adital
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