No
último dia 19 de setembro faria 90 anos o grande educador brasileiro Paulo
Freire. "Distraídos” estávamos pela vergonha da corrupção, a reunião de Nova
York onde a presidente pronunciou discurso, o Rock in Rio e todas as idas e
vindas dos times de futebol jogando inumeráveis e sempre novas competições para
justificar seus milionários salários. Por isso, talvez, a data tenha passado
menos celebrada do que seria justo e necessário. E por isso voltamos a ela
ainda na "oitava” – nos oito dias que se seguem à mesma – para agregar
homenagem a este que tanto a merece.
Paulo
Freire nasceu em Recife, a 19 de setembro de 1921. Formou-se em Direito em
1947, mas cedo revelou sua paixão pela educação e pela cultura. No mesmo ano,
assumiu a diretoria da Divisão de Educação e Cultura do Sesi-Pernambuco e em
1954 foi nomeado diretor superintendente do Departamento Regional do mesmo
órgão, cargo que ocupou até outubro de 1956.
Em
1960 doutorou-se em Filosofia e História da Educação ao defender a tese
"Educação e atualidade brasileira”, na qual lançou a proposta pioneira de uma
escola democrática, centrada no educando e na problemática da comunidade em que
está situado. O objetivo da educação aí traçado por Paulo Freire pretende ser
capaz de provocar no estudante a passagem de uma consciência ingênua para uma
consciência crítica e transformadora. Essa tese, levemente modificada, foi
publicada sob o título "Educação como prática da liberdade”, primeira grande
obra do notável pedagogo.
Em
1962, Paulo Freire criou o Serviço de Extensão Cultural da Universidade do
Recife, sendo seu primeiro diretor. E em 1963 sua obra ganhou amplidão
nacional, com a experiência de alfabetização de Angicos, Rio Grande do Norte,
onde foram lançadas as bases do Programa Nacional de Alfabetização do Governo
João Goulart. O golpe militar extinguiu o Programa, que pretendia educar os
brasileiros de forma libertadora, prendeu e exilou seu idealizador.
Paulo
Freire passou a viver fora do Brasil: Bolívia, Chile, Estados Unidos, Suíça.
Nesses países trabalhou incessantemente, escrevendo e disseminando suas ideias
de uma pedagogia que partisse do universo vocabular do oprimido. Edificava seu
método em palavras geradoras que vão construindo o mundo de expressão do
indivíduo situado, o qual passa a ser sujeito de sua história e da
transformação que ela exige. Suas obras adquiriram renome mundial e Paulo
Freire, impedido de voltar à sua pátria, tornou-se um verdadeiro andarilho da
educação, levando suas ideias e propostas mundo afora.
Ainda
em Genebra dedicou-se de modo especial ao trabalho de educação em alguns países
africanos e fundou o Instituto de Ação Cultural, juntamente com outros
exilados. A anistia o trouxe de volta ao Brasil no início dos anos 1980.
Lecionou, então, na PUC de São Paulo e na Unicamp, e assumiu, em 1989, o cargo
de secretário de Educação da cidade de São Paulo. Em 1997, os olhos incansáveis
do educador que não cessava de observar e "ruminar” a realidade para devolvê-la
ao povo sob a forma de pedagogia libertadora fecharam-se. No Hospital Albert
Einstein, na capital paulista, o coração que batia em ritmo acelerado em zelo
constante por uma educação que libertasse o oprimido foi atingido por um
infarto do miocárdio.
A
morte, porém, não permitiu que Paulo Freire se ausentasse da frente da cena da
educação no país e no continente. Seu método, que contempla o destinatário da
educação sem empanturrá-lo de ideias a serem consumidas, mas dando-lhe espaço
para fazer emergir suas ideias, criá-las e recriá-las sob a forma de palavras,
continua mais vivo do que nunca. O caminho que Paulo Freire ousou seguir na
alfabetização sonhava permitir a homens e mulheres se apropriarem da escrita e
da palavra, a fim de se comprometerem politicamente a partir de uma visão
integral da linguagem e do mundo. As experiências de vida partilhadas entre os
educandos e a relação entre o educador e o educando eram e são ingredientes
obrigatórios do processo educativo, que vai construindo, através dos temas e
palavras geradoras dos alunos e sua decodificação, a aquisição da palavra
escrita e da compreensão da mesma.
Em
tempos de voraz consumo de tudo e de todos, inclusive da educação e do conhecimento,
possa a celebração dos 90 anos deste grande pedagogo brasileiro ensinar-nos
algumas coisas fundamentais. Por exemplo, que a educação, seja formal ou
informal, familiar, escolar, ou universitária deve - antes de mais nada -
ajudar a pensar sem impor; ajudar a criar sem oprimir; ajudar a interferir
libertadoramente na realidade sem medo e sem censura.
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Fonte:Adital
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