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"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros". (Che Guevara)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Moral nem sempre ética

Nos últimos dias temos assistido a um suceder-se de notícias de corrupção na esfera pública. Esta e outras questões apontam para a urgência da ética em nossa sociedade brasileira. De fato, a ética é uma forma de ser no mundo por meio da qual o sujeito concreto se sente comprometido com a dignidade do ser humano e com a justiça social. Leonardo Boff define a ética como sendo tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivemos para que seja uma moradia saudável. Assim sendo, a ética não é outra coisa senão cuidar para que a Terra seja sempre uma morada saudável. É cuidar das pessoas de modo que elas, sentindo-se bem, possam, de fato, comprometer-se com a felicidade das demais. Portanto, cuidado e ética são sinônimos.
Porém, não basta falar de ética. É indispensável que se desenvolva uma prática que torne eticamente correto o comportamento moral das pessoas em sociedade. Diante das notícias de corrupção na esfera pública ficamos escandalizados e decepcionados. Mas seria interessante nos perguntarmos, com toda sinceridade, se a corrupção não está impregnada na cultura e na cabeça de todos nós. É muito comum entre nós o conhecido "jeitinho brasileiro” de resolver os problemas. Estamos acostumados a práticas como "pagar por fora, pagar uma cerveja, pagar um guaraná, dar uma gorjeta”, etc. Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar uma fila, mesmo que disfarçadamente.
Não devemos apenas nos limitar a falar de comportamento humano moral. Não podemos somente registrar ou descrever o comportamento moral dos seres humanos, mas procurar oferecer racionalidade e objetividade ao comportamento. Isso é ética e é isso que está faltando ao mundo de hoje. Falta-nos a coragem de parar para refletir sobre essas coisas; falta-nos sensibilidade e racionalidade para entendermos que o corrupto não chega sozinho à esfera pública. Ele é levado por eleitores, por boa parte daqueles mesmos que, hipocritamente, ficam escandalizados quando escutam o noticiário sobre a corrupção.
Mas para que possamos refletir e agir é indispensável que não confundamos ética com moral. Esta última compreende normas e regras de ação e fatos a elas relacionados. A moral seria um conjunto de valores, princípios e prescrições que as pessoas de um determinado grupo humano consideram válidos, bem como os atos reais deles decorrentes. A moral é normalmente determinada a partir da cultura, da filosofia e da ideologia dominante. Na moral as pessoas se atêm às normas fixas que lhes possam assegurar que elas estão certas. Porém, na ética as pessoas escolhem o que fazer, a partir da consciência de justiça e de dignidade humana que possuem. Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, diz que a escolha não é entre seguir as normas e transgredi-las, mas entre diferentes conjuntos de normas e o que de fato é melhor para as pessoas concretas. O que é moral nem sempre é o melhor para seres humanos reais.
Assim sendo uma ação é "imoral” quando não segue as regras e as normas estabelecidas pela moral. Mas, muitas vezes, para cultivar o cuidado para com as pessoas, será indispensável romper com determinados conjuntos de normas e com certas autoridades que as vigiam. O moralista, diz Boff, apegado a valores da tradição, termina se fechando sobre o próprio sistema de valores. Já o ético é aberto a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de uma cultura determinada. O moralista se escandaliza com a corrupção e se decepciona com a política. A pessoa ética age corretamente, pensando nos outros e no bem-comum. Por isso, na hora de votar, usa a razão e a inteligência e não vota em qualquer um e de qualquer jeito.
Por essa razão, precisamos ter plena consciência e convicção de que uma ação pode, ao mesmo tempo, ser considerada imoral, mas eticamente correta. A moral que pune a mãe que pegou e não pagou um pão na padaria para matar a fome da filha, e deixa impune o ladrão de colarinho branco que desviou milhões dos cofres públicos, não pode ser uma moral ética. A moral que algema o ladrão de galinha e considera absurdo que o corrupto de colarinho branco possa ser algemado, não é de forma alguma uma moral ética. Por acaso o sujeito que desviou milhões dos cofres públicos, especialmente da saúde e da educação, não oferece risco para a segurança pública?
Se quisermos ser éticos, e contribuirmos para que exista ética no mundo, devemos estar preparados para transgredir certo tipo de moral, fazendo prevalecer a ética. Melhor dizendo, precisamos ter a coragem de lutar e de nos comportarmos de forma tal que as nossas normas morais coincidam com a ética.

Por José Lisboa Moreira de Oliveira
Fonte:Adital

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