Nos últimos dias temos assistido a um suceder-se
de notícias de corrupção na esfera pública. Esta e outras questões apontam para
a urgência da ética em nossa sociedade brasileira. De fato, a ética é uma forma
de ser no mundo por meio da qual o sujeito concreto se sente comprometido com a
dignidade do ser humano e com a justiça social. Leonardo Boff define a ética
como sendo tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivemos para
que seja uma moradia saudável. Assim sendo, a ética não é outra coisa senão
cuidar para que a Terra seja sempre uma morada saudável. É cuidar das pessoas
de modo que elas, sentindo-se bem, possam, de fato, comprometer-se com a
felicidade das demais. Portanto, cuidado e ética são sinônimos.
Porém, não basta falar de ética. É indispensável
que se desenvolva uma prática que torne eticamente correto o comportamento
moral das pessoas em sociedade. Diante das notícias de corrupção na esfera
pública ficamos escandalizados e decepcionados. Mas seria interessante nos
perguntarmos, com toda sinceridade, se a corrupção não está impregnada na
cultura e na cabeça de todos nós. É muito comum entre nós o conhecido "jeitinho
brasileiro” de resolver os problemas. Estamos acostumados a práticas como
"pagar por fora, pagar uma cerveja, pagar um guaraná, dar uma gorjeta”, etc.
Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da
corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em
tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de
corrupção, como, por exemplo, furar uma fila, mesmo que disfarçadamente.
Não devemos apenas nos limitar a falar de
comportamento humano moral. Não podemos somente registrar ou descrever o
comportamento moral dos seres humanos, mas procurar oferecer racionalidade e
objetividade ao comportamento. Isso é ética e é isso que está faltando ao mundo
de hoje. Falta-nos a coragem de parar para refletir sobre essas coisas;
falta-nos sensibilidade e racionalidade para entendermos que o corrupto não
chega sozinho à esfera pública. Ele é levado por eleitores, por boa parte
daqueles mesmos que, hipocritamente, ficam escandalizados quando escutam o
noticiário sobre a corrupção.
Mas para que possamos refletir e agir é
indispensável que não confundamos ética com moral. Esta última compreende
normas e regras de ação e fatos a elas relacionados. A moral seria um conjunto
de valores, princípios e prescrições que as pessoas de um determinado grupo
humano consideram válidos, bem como os atos reais deles decorrentes. A moral é
normalmente determinada a partir da cultura, da filosofia e da ideologia
dominante. Na moral as pessoas se atêm às normas fixas que lhes possam
assegurar que elas estão certas. Porém, na ética as pessoas escolhem o que
fazer, a partir da consciência de justiça e de dignidade humana que possuem.
Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, diz que a escolha
não é entre seguir as normas e transgredi-las, mas entre diferentes conjuntos
de normas e o que de fato é melhor para as pessoas concretas. O que é moral nem
sempre é o melhor para seres humanos reais.
Assim sendo uma ação é "imoral” quando não segue
as regras e as normas estabelecidas pela moral. Mas, muitas vezes, para
cultivar o cuidado para com as pessoas, será indispensável romper com
determinados conjuntos de normas e com certas autoridades que as vigiam. O
moralista, diz Boff, apegado a valores da tradição, termina se fechando sobre o
próprio sistema de valores. Já o ético é aberto a valores que ultrapassam
aqueles do sistema tradicional ou de uma cultura determinada. O moralista se
escandaliza com a corrupção e se decepciona com a política. A pessoa ética age
corretamente, pensando nos outros e no bem-comum. Por isso, na hora de votar,
usa a razão e a inteligência e não vota em qualquer um e de qualquer jeito.
Por essa razão, precisamos ter plena consciência e
convicção de que uma ação pode, ao mesmo tempo, ser considerada imoral, mas
eticamente correta. A moral que pune a mãe que pegou e não pagou um pão na
padaria para matar a fome da filha, e deixa impune o ladrão de colarinho branco
que desviou milhões dos cofres públicos, não pode ser uma moral ética. A moral
que algema o ladrão de galinha e considera absurdo que o corrupto de colarinho
branco possa ser algemado, não é de forma alguma uma moral ética. Por acaso o
sujeito que desviou milhões dos cofres públicos, especialmente da saúde e da
educação, não oferece risco para a segurança pública?
Se quisermos ser éticos, e contribuirmos para que
exista ética no mundo, devemos estar preparados para transgredir certo tipo de
moral, fazendo prevalecer a ética. Melhor dizendo, precisamos ter a coragem de
lutar e de nos comportarmos de forma tal que as nossas normas morais coincidam
com a ética.
Por José Lisboa Moreira de Oliveira
Fonte:Adital
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