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"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros". (Che Guevara)

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ativista pede ação do Ministério Público contra homofobia na internet


Ativista pede ação do Ministério Público contra homofobia na internet
Foi criado um perfil no twitter em campanha pela morte do deputado federal Jean Wyllys (Foto: Beto Moreira/ Agência Câmara)

Ativistas reagiram ao tomar conhecimento de páginas na internet que incitam à prática de violência sexual e de homofobia. Entre as manifestações questionadas, estão uma campanha que pede a morte do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e um blogue que defende "penetração corretiva de lésbicas".

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) recorreu à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF). A demanda, assinada por Toni Reis, presidente da organização, é por investigação e providências para que o blogue e as páginas sejam retirados do ar e para que os autores respondam pelos atos criminosos.
O blogue Silvio Koerich, fora do ar nesta quinta-feira (29), apresentava recomendações para se estuprar lésbicas com o intuito de supostamente "corrigir" sua orientação sexual. A "receita" inclui uso de "toca ninja", luva, lenço e éter. E sugere que, se a vítima for conhecida pelo agressor, seria recomendável usar preservativo para evitar identificação.
Em outros textos, o mesmo blogue defendia que gays fossem enterrados vivos e incluía manifestações racistas, afirmando que os negros são uma "raça inferior" à dos brancos.
A Polícia Federal afirmou, por meio do Grupo de Combate aos Crimes de Ódio e Pornografia Infantil, ser impossibilitada de avançar nas investigações. Por se tratar de apologia a crime, com pena de detenção, e não infração mais grave, não há meios para se obter a identidade do dono do domínio. Além disso, por ter final ".com", registrado nos Estados Unidos, a apuração seria ainda mais difícil.

A campanha pela morte de Jean Wyllys tem um perfil no Twitter. Criado no último dia 23, há atualizações apenas até segunda-feira (26), com ataques a homossexuais e a defensores de direitos humanos. Homossexual assumido, o parlamentar é coordenador da frente parlamentar mista de diversidade e tem posição central na discussão do projeto de lei que criminaliza a homofobia.

Por: Redação da Rede Brasil Atual
Fonte: Rede Brasil Atual

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Conhecer as desigualdades educacionais é fundamental para combatê-las

"O caminho para diminuir as desigualdades passa, necessariamente, pelo conhecimento detalhado sobre quem são as crianças excluídas do processo educacional”, afirmou a representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Marie-Pierre Poirier, durante a sessão "Equidade e inclusão”, do Congresso Internacional "Educação: uma Agenda Urgente”, realizada na última quinta-feira (15).
Para ela, esse é o primeiro passo para a construção de políticas públicas voltadas para a equidade na Educação. "Em um primeiro momento, é essencial saber quantas crianças e jovens estão dentro das escolas, mas mais importante é saber quem está fora e o porquê”, disse. "Alguns nunca entraram, outros abandonaram. Precisamos saber os motivos disso e também identificar os alunos com risco de abandonar.”
Esse tipo de informação tem importância estratégica, pois pode servir para subsidiar políticas de monitoramento e apoio às escolas e alunos com maiores dificuldades, afirmaram especialistas. "Vivemos em um País em que não podemos fazer políticas de afirmação porque não sabemos quantas crianças estão de fato excluídas. É preciso trabalhar os dados na perspectiva da inclusão”, concordou Maria de Salete Silva, oficial de Educação do Unicef.
Segundo Ana Lucia Sabóia, chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e membro do Comitê Técnico do Observatório da Equidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o IBGE tem uma função central no detalhamento da situação dos alunos brasileiros. "As evidências empíricas dos dados do instituto nos mostram essas questões. O IBGE está pronto para contribuir com diagnósticos cada vez mais refinados”, afirmou.
Respeito às diferenças
Para a integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE) Rita Potiguara, é importante que os desafios de inclusão e equidade nas políticas públicas educacionais sejam destacados. "Como equacionar igualdade e diferença? Diferença não é sinônimo de desigualdade. Por isso, incluir os diferentes não pode significar apagar as distinções culturais e étnicas. Precisamos respeitar as diferenças particulares, promovendo a verdadeira inclusão”, disse.
"As pessoas, como cidadãs, têm necessidades comuns a todos, mas em suas individualidades têm necessidades diferentes. É preciso equilibrar o que é comum, como os espaços escolares e o currículo, com o que é diverso, como as necessidades de cada um”, opinou Ivana de Siqueira, diretora da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) no Brasil. "Não podemos potencializar a diferenciação para promover a exclusão, é preciso equilíbrio.”
Troca de experiências
De acordo com Rodrigo Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes, é preciso compreender a situação da Educação no Brasil para tentar buscar soluções. Para ele, esse processo poderia ser mais fácil se houvesse mais visibilidade para as boas práticas educacionais. "Não podemos perder a oportunidade de aprender com o que está dando certo. A boa prática é uma ferramenta fundamental para desconstruir argumentos que se prendem ao que era a Educação tempos atrás”, disse.
Para Marie-Pierre, a troca de experiências deve incluir atores de diversos segmentos da sociedade: "É preciso ter uma abordagem intersetorial e extrapolar o espaço de discussão. Para enfrentar a questão da desigualdade, precisamos mobilizar muito mais que o setor de Educação. É preciso uma ampla participação da sociedade”.
Sobre o Congresso
O movimento Todos Pela Educação, em parceria com instituições nacionais e internacionais, promoveu, de 13 a 16 de setembro, o Congresso Internacional "Educação: uma Agenda Urgente”.
O encontro abordou diferentes temas fundamentais para acelerar a melhoria do aprendizado dos alunos e da Educação Básica no País, como: carreira docente, formação inicial do professor, regime de colaboração entre os entes federados, uso das avaliações nas práticas de sala de aula e na gestão educacional, definição das expectativas de aprendizagem, Educação integral, equidade e inclusão, e justiça pela qualidade da Educação. No último dia, em uma sessão especial, o evento congregou movimentos de 13 países da América Latina que, assim como o Todos Pela Educação, se articulam para melhorar a Educação em seus países.
O Congresso Internacional "Educação: uma Agenda Urgente” contou com o apoio institucional do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife); com o patrocínio do BID, Fundação Educar DPaschoal, Fundação Itaú Social, Instituto Gerdau, do Itaú BBA e do Instituto Natura; e com o apoio da Agência Tudo, Canal Futura, CNE, Confederação Nacional da Indústria (CNI) e DM9DDB.

Movimento ‘Todos pela Educação’
Fonte: Adital

Primeiro ano da Ficha Limpa é marcado por avanços, lutas e desafios

A Lei da Ficha Limpa (nº 135/2010), que barra candidatura de políticos condenados pela Justiça brasileira, completa hoje (29) um ano. A iniciativa popular levada a cabo por várias organizações que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), reuniu 1 milhão e 600 mil assinaturas e, ainda hoje, enfrenta resistência por parte de setores conservadores, correndo o risco, inclusive, de não ser aplicada.
De acordo com Márlon Reis, membro do MCCE e juiz de Direito, os setores que se opõem à Lei da Ficha Limpa argumentam inconstitucionalidade, apoiando-se principalmente no princípio da "presunção da inocência” e na retroatividade da lei para crimes cometidos antes de sua vigência. Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular a aplicação da lei para as eleições de 2010.
Agora, a decisão se concentra no julgamento próximo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº30, que pleiteia a plena constitucionalidade da lei. "O que está em jogo é o reconhecimento da constitucionalidade da lei e, com isso, se ela será aplicada”, explica.
Juridicamente, Márlon esclarece que a lei penal não pode ser aplicada retroativamente, porém esse não é o caso da Ficha Limpa, que é uma lei de natureza administrativa eleitoral.
A norma torna inelegíveis pessoas com condenação em primeira ou única instância por crimes como racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas; e parlamentares que tenham renunciado para fugir de cassações, pessoas condenadas por compra de votos ou uso eleitoral da máquina administrativa.
"Se uma lei nova viesse a estabelecer que pessoas condenadas por pedofilia não podem ser professores da educação infantil, é claro que não haveria dúvida que essa lei se aplicaria a todos os que já praticaram o crime, e não aos que o fizeram depois da aprovação da lei”, exemplifica.
Apesar da oposição ferrenha à Ficha Limpa, o juiz ressalta que o MCCE está tranquilo. "Isso é normal. Se a gente não tivesse essa resistência, teria algo errado, com certeza.”, afirma.
Na opinião do militante, o principal avanço trazido pela Ficha Limpa é justamente a introdução do tema na pauta de discussões na vida dos brasileiros. "A vida pregressa nunca ganhou muito destaque antes, mas agora se tornou assunto de primeira ordem”, pontua.
Outra conquista é a mudança no marco legal, agora aprimorado. Márlon destaca que a Lei não suprime o direito de escolha dos eleitores, apenas exclui os candidatos com graves problemas na Justiça. Por fim, o fato de o povo ter feito valer sua vontade, levando o Projeto de Lei ao Congresso por meio de iniciativa popular, se constitui em significativa vitória.
"Nós estamos vendo que a sociedade está acordando para se mobilizar de maneiras inovadoras. A própria sociedade está acordando e aqueles que não percebem a veemência desse grito podem se surpreender com profundas mudanças. Agora, a ética na política começa a ser padrão, não é mais pragmatismo na política, são novos critérios e perfis de candidatos”, analisa.
Para celebrar este primeiro aniversário, o MCCE realizou ato hoje pela manhã no Congresso Nacional, no Salão Negro da Câmara dos Deputados.
Retrospectiva
O processo de coleta de assinaturas para a Lei da Ficha Limpa foi coordenado por 50 entidades que encabeçam o MCCE, tendo o apoio de muitas outras organizações como igrejas, sindicatos, associações, grupos de jovens.
Entre maio de 2008 e setembro de 2009, foram recolhidas 1 milhão e 600 mil assinaturas presenciais, 300 mil além do número necessário para que um Projeto de Lei chegue ao Congresso brasileiro como iniciativa popular. Além disso, o MCCE conseguiu outras 400 mil assinaturas na internet, em apenas duas semanas. Estas não tiveram valor legal, mas serviram para demonstrar o amplo apoio social.
Também houve pressão popular exercida diretamente sobre os parlamentares; alguns chegaram a receber 30 mil e-mails pedindo a aprovação da lei.

Por Camila Queiroz
Fonte:Adital

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Justiça determina paralização parcial de obras de Belo Monte


A Justiça Federal concedeu liminar determinando a paralisação imediata das obras de construção da hidrelétrica de Belo Monte, localizada entre os municípios de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará. Devem ser paralisados pelo Consórcio Norte Energia S.A. os trabalhos no rio Xingu, como explosões, implantação de barragens e escavação de canais, mas pode seguir a implantação de canteiros e de residências, que é a única etapa já iniciada pelas empreiteiras.
O juiz federal Carlos Eduardo Castro Martins aceitou os argumentos apresentados pela Associação dos Criadores e Exportadores de Peixes Ornamentais de Altamira, que informa que a pesca será totalmente inviabilizada com a construção da usina, já que será fechado o acesso da comunidade ao Xingu. 
O magistrado descartou apenas o argumento segundo o qual as licenças de instalação concedidas pelos órgãos públicos à construção de Belo Monte são incompatíveis com as licenças dadas à atividade pesqueira na região. Por outro lado, ele reconhece que a escavação de canais e a construção de barragens “poderão trazer prejuízos a toda comunidade ribeirinha que vive da pesca artesanal”. 
A decisão liminar, que prevê multa de R$ 200 mil em caso de descumprimento, destaca ainda que os pescadores só poderiam retomar plenamente suas atividades em 2020, ano em que se prevê a conclusão da última fase do projeto de aquicultura que terá de ser desenvolvido pelo consórcio como compensação pelos danos.
“Ora, não é razoável permitir que as inúmeras famílias, cujo sustento depende exclusivamente da pesca de peixes ornamentais realizada no Rio Xingu, sejam afetadas diretamente pelas obras da hidrelétrica”, pontua Martins. “O projeto de aquicultura que será implantado no inaceitável prazo de 10 anos, ao menos em uma análise superficial, não garantirá aos pescadores a manutenção das suas atividades durante tal período.”

Por: Redação da Rede Brasil Atual  
Fonte: Rede Brasil Atual

O impostor impostômetro

Em abril de 2005, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) criou um painel eletrônico que anualmente calcula os impostos arrecadados pela União, estados e municípios. Apelidado de impostômetro, o painel está instalado na sede da ACSP e tornou- se umas das principais peças publicitárias da campanha das elites pela diminuição dos impostos cobrados no país. Para isso, não lhe faltam espaços na mídia. Em setembro, quando o painel registrou a cifra de R$1 trilhão de impostos pagos pelos brasileiros, meia dúzia de palhaços – assim estavam caracterizados - assoprando apitos em frente ao painel, apareceram como sendo uma manifestação popular nas principais mídias da imprensa burguesa. 
Alinhado com esse interesse da classe dominante, o PTB paulista está usando seus espaços na mídia para também atacar a cobrança de impostos. Esforça-se para fazer a população acreditar que levará para casa mais comida e remédios se os impostos diminuírem. Se a burguesia, com seus partidos políticos de aluguel, estivesse realmente preocupada em resolver os problemas que afetam o povo, não seríamos um país campeão em desigualdade social e não ocuparíamos a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimentos em saúde. 
É evidente que o sistema tributário brasileiro precisa ser repensado e reestruturado com uma nova legislação. Não para atender a elite, já abastada de riquezas e privilégios. 
Para o professor João Sicsu, do Instituto de Economia do Rio de Janeiro, o sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo, possui uma estrutura concentradora, uma vez que sacrifica mais os de abaixo e alivia os de cima. Por isso, para Sicsu, há a necessidade de mudanças, a fim de que o país tenha um sistema tributário socialmente justo, que adquira um caráter distributivo da riqueza, que possibilite o Estado adotar gastos públicos, que promova a igualdade de acesso e oportunidades à população e que impeça as grandes riquezas de se evadirem do país, legal ou ilegalmente, com o objetivo de se eximir de seu dever contributivo. 
O Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc) estima que de US$ 60 bilhões saíram do Brasil diretamente para paraísos fiscais em 2009. Certamente essa fortuna não alimentou os dados do impostômetro da ACSP. 
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), num estudo recentemente apresentado, atesta que 47,3% da carga tributária advém de impostos sobre consumo e 26% da folha salarial. Já a renda contribui apenas com 19,8% e a propriedade e as transações financeiras com míseros 4,9%. As famílias brasileiras mais pobres gastam 32% da sua renda em impostos. Já a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. 
Ainda de acordo com o professor Sicsu, o atual sistema tributário assegura isenção de pagamentos de impostos sobre jatinhos, helicópteros e lanchas; o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%. Em 2010, do total da receita federal de R$ 826.065 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR) contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total. É sobre essa estrutura tributária que os idealizadores do impostômetro exigem mudanças? 
Não restam duvidas, no entanto, que a elite, mais uma vez, conseguiu aprisionar o Congresso Nacional aos seus interesses, na hora de definir o aumento de recursos financeiros para o setor de saúde. Há o consenso de que setor precisa de mais verba. Mas, com receio da mídia, os parlamentares não aprovaram a Contribuição Social da Saúde (CSS), proposta pela presidenta Dilma Rousseff. Pela proposta, seria cobrado apenas 0,1% da movimentação financeira, medida que garantiria quase R$ 20 bilhões para a saúde. E o tributo seria cobrado de quem recebe acima do teto previdenciário, hoje estabelecido em R$ 3.589. Ou seja, cerca de 95% da população estaria isenta do tributo. Mesmo assim o Congresso se rendeu à impostura do impostômetro. 
A coragem e clareza política que faltaram aos parlamentares, manifestaram-se no diretor geral do Hospital do Coração (Hcor) e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, quando, em entrevista à Carta Maior, foi enfático ao afirmar que “quem controla a mídia faz a população acreditar que a carga tributária é insuportável. Mas, se você tirar a Previdência Social do orçamento, e a Previdência é um dinheiro dos aposentados que o governo apenas administra, vai ver que a nossa carga tributária está abaixo de 30%. É pouco para um país como o Brasil.” 
As necessidades do povo brasileiro exigem dos governantes a ousadia de aprofundar as ações que promovam o combate à pobreza e assegurem a transferência de renda e universalização dos direitos à saudade, educação e moradia. Vencer esses desafios certamente exigirá enfrentar os interesses dessa elite idealizadora de impostômetros, depositária de riquezas nos paraísos fiscais e sem nenhuma identificação com os interesses do país e do povo brasileiro.

Editorial Ed. 448 
Fonte: Brasil de Fato 

A parte de cada um

Sempre que ocorre um crime, seja contra o patrimônio ou contra a vida, o primeiro sentimento que irrompe em boa parte da população brasileira, que clama por mais violência para combater a violência, é o da vingança. Setores mais conservadores, à direita, pedem mais polícia, enquanto a esquerda fala em mais educação e distribuição de renda. Se é verdade que a educação e a economia podem ser aliadas na luta contra a violência, parece pouco provável, porém, que floresça uma nova sociedade apenas porque as pessoas têm mais dinheiro e conhecimento da norma padrão da língua. Se isso fosse verdade, não haveria tantos crimes cometidos por pessoas de fala muito educada e renda per capita muito acima da média.
A política de segurança pública no país se limita, na maioria dos casos, a promover ações que têm por objetivo calar, sufocar, amedrontar e até mesmo eliminar aqueles que reagem com violência contra a violência de que são vítimas. Uma resposta seletiva, preconceituosa e discriminatória, que só faz aumentar a corrupção e a insegurança.
O modelo de escola que temos pouco ajuda a transformar a realidade. É resultado da ação de políticas que são definidas por boa parte dos mesmos setores que não se interessam em dividir a renda e o conhecimento entre a população brasileira. E os professores e alunos que ali estão não raro se comportam e defendem pontos de vista muito parecidos com aqueles que se encontram fora dos muros da escola. A disputa de cargos, os interesses políticos, a falta de condições mínimas de trabalho, estudantes que refletem a violência de seus lares e dos locais onde vivem, pais que não impõem limites a seus filhos, tudo contribui para o fracasso de uma ação que busca na educação respostas aos anseios de justiça social, paz e harmonia. Mas como a escola pode responder a essa expectativa se é também violentada diariamente? Se em seu restrito espaço também se reproduz a violência, a ganância, a individualidade, o consumismo, a falta de limites e o estímulo para a busca desenfreada de prazer e poder a qualquer custo?
Nada mais falso do que atribuir a corrupção aos políticos brasileiros, como se fossem uma casta de privilegiados que não tivessem ramificações em toda a sociedade, em cada esquina do país. Como se esses políticos não fossem também empresários, médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, economistas e toda a lista de profissões em maior destaque no Brasil. Como se pudessem chegar ao poder sem o apoio de tantos iguais em suas profissões ou em suas alianças com outros segmentos e até mais diretamente com cada eleitor, isoladamente.
A corrupção, a violência e outras mazelas do cotidiano formam uma teia pacientemente tecida com a nossa adesão (por mais eventual que seja) ou omissão. Quanto mais ela se estende, mais nos apanha em nosso dia a dia. A corrupção não pode ser vista como um fenômeno isolado, pertencente a uma camada social, ou a um determinado partido, ou a um grupo deles, ou a um governo. Ou ainda como um desvio moral de determinados cidadãos. É algo mais intrínseco à própria formação da sociedade, à própria estrutura política, econômica e social do país. Mas que não se busque no passado, nas etnias, a explicação para as infâmias que hoje proliferam.
Neste caldo de cultura, em que, de alguma forma, somos um pouco vítimas e cúmplices, a justiça e a ética se alimentarão da vontade de subverter o cotidiano, de lutar contra as nossas fraquezas, de dizer "não” quando é tão mais cômodo e prazeroso dizer "sim”. De pequenos gestos que já foram ensinados outrora em boa parte das famílias, noções de honra e dignidade, senso de justiça, recusa ao que não nos pertence ou é imerecido.
Dessa opção por não trilhar o caminho mais fácil, começam as possibilidades de mudança. De ter a perspicácia de identificar o inimigo, às vezes tão sedutor, como os meios de comunicação e a publicidade, fortes protagonistas na criação de identidades, na construção de valores. Como pode a mídia –sem um mínimo de hipocrisia– dizer que não é uma das principais responsáveis pelo modelo de sociedade que hoje temos? Mídia, igreja, escola –para ficar em apenas três importantes atores sociais– são essencialmente formadores do caráter da nação.
Juntamente com a elite econômica, intelectual, com o Judiciário e os partidos políticos. Esqueci de alguém? Pode ser, estão todos aí, basta procurá-los, mas atenção: eles são bastante convincentes, dizem o oposto do que costumeiramente praticam.
Verdade seja dita: eles são nós! Nenhum deles sobrevive sem a nossa renovada participação e adesão às causas que professam. Quando dizemos que a violência e a corrupção chegaram a um patamar insustentável, resta saber se estamos prontos a repensar as nossas crenças, valores e atitudes, à direita e à esquerda, porque "isso que aí está” é muito parecido com o que nós somos. Ou contribuímos para que assim fosse. Por mais que tenhamos álibis quase perfeitos. Do tipo "eu não faço parte disso aí”. De alguma forma, ou porque não tivemos a lucidez de combater quem tínhamos que combater, ou apoiar quem deveríamos ter apoiado –porque era mais fácil nos isolarmos no egoísmo (às vezes) de nossas crenças políticas e ideológicas– somos parte do problema.
Nossos menores gestos, nossos "jeitinhos”, nossa relativização das regras quando interessa, nossas justificativas pouco éticas quando os fins justificam os meios, quando é por uma boa causa, ou "é uma coisinha insignificante”, nossas escolhas, nossa voz fraca diante de tantos abusos contribuem para a formação de uma sociedade permissiva, excludente e preconceituosa. A solução começa por aceitar que não somos tão inocentes.

Por Celso Vicenzi
Fonte: Adital

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Moral nem sempre ética

Nos últimos dias temos assistido a um suceder-se de notícias de corrupção na esfera pública. Esta e outras questões apontam para a urgência da ética em nossa sociedade brasileira. De fato, a ética é uma forma de ser no mundo por meio da qual o sujeito concreto se sente comprometido com a dignidade do ser humano e com a justiça social. Leonardo Boff define a ética como sendo tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivemos para que seja uma moradia saudável. Assim sendo, a ética não é outra coisa senão cuidar para que a Terra seja sempre uma morada saudável. É cuidar das pessoas de modo que elas, sentindo-se bem, possam, de fato, comprometer-se com a felicidade das demais. Portanto, cuidado e ética são sinônimos.
Porém, não basta falar de ética. É indispensável que se desenvolva uma prática que torne eticamente correto o comportamento moral das pessoas em sociedade. Diante das notícias de corrupção na esfera pública ficamos escandalizados e decepcionados. Mas seria interessante nos perguntarmos, com toda sinceridade, se a corrupção não está impregnada na cultura e na cabeça de todos nós. É muito comum entre nós o conhecido "jeitinho brasileiro” de resolver os problemas. Estamos acostumados a práticas como "pagar por fora, pagar uma cerveja, pagar um guaraná, dar uma gorjeta”, etc. Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, infelizmente, a "cultura da corrupção” está embutida em nossas cabeças. E quando é para "levar vantagem em tudo”, não hesitamos em lançar mão das formas mais simples e comuns de corrupção, como, por exemplo, furar uma fila, mesmo que disfarçadamente.
Não devemos apenas nos limitar a falar de comportamento humano moral. Não podemos somente registrar ou descrever o comportamento moral dos seres humanos, mas procurar oferecer racionalidade e objetividade ao comportamento. Isso é ética e é isso que está faltando ao mundo de hoje. Falta-nos a coragem de parar para refletir sobre essas coisas; falta-nos sensibilidade e racionalidade para entendermos que o corrupto não chega sozinho à esfera pública. Ele é levado por eleitores, por boa parte daqueles mesmos que, hipocritamente, ficam escandalizados quando escutam o noticiário sobre a corrupção.
Mas para que possamos refletir e agir é indispensável que não confundamos ética com moral. Esta última compreende normas e regras de ação e fatos a elas relacionados. A moral seria um conjunto de valores, princípios e prescrições que as pessoas de um determinado grupo humano consideram válidos, bem como os atos reais deles decorrentes. A moral é normalmente determinada a partir da cultura, da filosofia e da ideologia dominante. Na moral as pessoas se atêm às normas fixas que lhes possam assegurar que elas estão certas. Porém, na ética as pessoas escolhem o que fazer, a partir da consciência de justiça e de dignidade humana que possuem. Bauman, filósofo e sociólogo polonês radicado na Inglaterra, diz que a escolha não é entre seguir as normas e transgredi-las, mas entre diferentes conjuntos de normas e o que de fato é melhor para as pessoas concretas. O que é moral nem sempre é o melhor para seres humanos reais.
Assim sendo uma ação é "imoral” quando não segue as regras e as normas estabelecidas pela moral. Mas, muitas vezes, para cultivar o cuidado para com as pessoas, será indispensável romper com determinados conjuntos de normas e com certas autoridades que as vigiam. O moralista, diz Boff, apegado a valores da tradição, termina se fechando sobre o próprio sistema de valores. Já o ético é aberto a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de uma cultura determinada. O moralista se escandaliza com a corrupção e se decepciona com a política. A pessoa ética age corretamente, pensando nos outros e no bem-comum. Por isso, na hora de votar, usa a razão e a inteligência e não vota em qualquer um e de qualquer jeito.
Por essa razão, precisamos ter plena consciência e convicção de que uma ação pode, ao mesmo tempo, ser considerada imoral, mas eticamente correta. A moral que pune a mãe que pegou e não pagou um pão na padaria para matar a fome da filha, e deixa impune o ladrão de colarinho branco que desviou milhões dos cofres públicos, não pode ser uma moral ética. A moral que algema o ladrão de galinha e considera absurdo que o corrupto de colarinho branco possa ser algemado, não é de forma alguma uma moral ética. Por acaso o sujeito que desviou milhões dos cofres públicos, especialmente da saúde e da educação, não oferece risco para a segurança pública?
Se quisermos ser éticos, e contribuirmos para que exista ética no mundo, devemos estar preparados para transgredir certo tipo de moral, fazendo prevalecer a ética. Melhor dizendo, precisamos ter a coragem de lutar e de nos comportarmos de forma tal que as nossas normas morais coincidam com a ética.

Por José Lisboa Moreira de Oliveira
Fonte:Adital

A arte de desaprender

Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
O médico estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
― Então, por que devo retornar em um ano?
― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem, no entanto, ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

Por Frei Betto
Fonte:Adital

Código Florestal: o texto e o contexto


1) Contexto.
A humanidade atravessa um momento onde um bilhão de pessoas passa fome e 1,2 bilhão não tem um copo de água limpo para beber. Fome e sede continuam sendo os problemas fundamentais da humanidade.
Porém, para alguns cientistas, como James Lovelock, diante do Aquecimento Global todos os outros problemas humanos são irrelevantes. Ele tem o dom de tornar pior todas as tragédias humanas, inclusive a fome e a sede. O Aquecimento Global tem entre suas causas a emissão de CO2 na atmosfera pela derrubada e queima de florestas. Na contribuição perversa do Brasil nesse problema, o desmatamento é o fator número um.
No século XIX Malthus já debatia com seus contemporâneos o agravamento da disponibilidade mundial de alimentos diante do crescimento populacional. A humanidade cresceria de forma geométrica, enquanto a produção de alimentos cresceria de forma aritmética. Entretanto, a chamada revolução verde, a base de químicos e maquinários agrícolas, conseguiu multiplicar a produção de alimentos para além do crescimento populacional. A tese de Malthus, portanto, caiu por terra.
Entretanto, na Cúpula Mundial do Meio Ambiente em 2002, Johanesburgo, África do Sul, um documento da ONU trazia um novo olhar sobre a questão, fazendo uma interessante conexão entre água (water), saúde (Health), energia (energy), agricultura (agriculture) e biodiversidade (biodiversity). Por isso, em inglês, o documento acabou rotulado pelas iniciais WEHAB.
A constatação do documento era crucial, isto é, a produção mundial de alimentos tinha se multiplicado às custas da devastação dos solos, da contaminação e uso intensivo água, da biodiversidade, além do saqueio dos territórios das comunidades tradicionais. Apesar da produção de algumas commodities agrícolas ter se multiplicado, multidões estavam passando fome e sede, particularmente no meio rural. Portanto, não existia a mágica da revolução verde, a não ser que suas conseqüências nefastas sobre o meio ambiente e as populações fossem ocultadas. Hoje, quando se fala que temos produção agrícola para saciar toda a humanidade, sendo o problema apenas de acesso, se oculta em que bases destrutivas essa produção está acontecendo.
Para se estabilizar demograficamente, os estudos mais recentes nos dizem que a humanidade deverá chegar a nove bilhões de pessoas m 2050, dois a mais que os atuais sete bilhões. Esse é outro argumento para pressionar a produção de alimentos.
Para agravar o cenário, o documento prevê que o aumento da população iria direcionar a produção agrícola para "áreas frágeis e de risco”, piorando ainda mais a sustentabilidade ambiental da produção agrícola.
Para evitar essa insanidade o documento faz as seguintes recomendações:
- redução da degradação da terra;
- melhorar a conservação, alocação e manejo da água;
- proteção da biodiversidade;
- promover o uso sustentável das florestas;
- informações sobre o impacto da mudança climática.”
2) O Texto.
É nesse contexto mundial de degradação de solos, escassez da água, erosão da biodiversidade e florestas, crescimento populacional e o Aquecimento Global para agravar o que já é complexo, que se coloca a proposta de alteração do Código Florestal Brasileiro. As propostas para alteração no Código têm como argumento fundamental o aumento da produção de alimentos.
Há tempos já se sabia que o Brasil era rico em solos, água, sol e biodiversidade. Entretanto, há tempos também se sabe que os solos do Cerrado, Caatinga e Amazônia são frágeis, nem sempre aptos para a agricultura. A prova é que a pecuária e agricultura já deixaram para trás 80 milhões de hectares de terras degradados. Hoje fala-se em recuperar essas áreas, mas a verdade é que se prefere avançar sobre novas áreas "frágeis e de risco”, como já advertia a ONU.
As mudanças no Código Florestal vêm nesse contexto de quebrar as barreiras legais para o avanço da agricultura e pecuária sobre essas áreas. As mais simbólicas são exatamente as áreas de preservação permanente, como as matas ciliares dos rios, e morros com inclinação acima de 45º. Mas, não é só. Também se quer ampliar a área de desmatamento na Amazônia para fins agrícolas.
O gatilho que disparou a reação violenta dos ruralistas é a execução das multas originadas por crimes ambientais, sobretudo o desmatamento das áreas de preservação ambiental. Acossados pela execução das multas, decidiram mudar as leis. Portanto, legislam em causa própria.
Mas, o argumento público é a produção de alimentos, fartamente repetido pelos empresários do agronegócio, mas agora também por setores dos pequenos agricultores. Nesse sentido, além de questões técnicas, existem dimensões políticas e éticas permeando essas alterações.
No contexto geral, essa agricultura brasileira baseada na ampliação do desmatamento, do avanço sobre as áreas frágeis e de risco, sobre os mananciais de água, mostra-se insustentável a médio e longo prazo. Esse modelo não tem como se sustentar – precisa de 5,2 litros de veneno por brasileiro para produzir e já consome 70% de nossa água doce - mesmo que dê respostas econômicas para a exportação imediata.
Esse é o nó da questão: o Brasil reprimarizou sua economia. Agora essas commodities agrícolas representam 36% das exportações brasileiras (www.porkworld.com.br), enquanto no regime militar a agricultura não representava muito mais que 8%. Com a demanda mundial por soja, etanol, carnes – e agora minérios para sustentar a demanda chinesa -, o Brasil tem quebrado todas as leis – vide Código Florestal, Código Minerário, etc. – para facilitar a vida do capital desses ramos econômicos, mais que nunca poderosos do ponto de vista econômico e político. Vale recordar que a produção de alimentos no Brasil, 70% vem da agricultura familiar, não da empresarial (Censo Agropecuário 2006).
Dados recentíssimos afirmam que 64% da área desmatada da Amazônia se destinaram à pecuária e apenas 5% à agricultura (FSP 02/09/2011 - 15h13). Diante dos fatos, os argumentos em favor das mudanças perdem força.
Portanto, fechar os olhos para os interesses dos grupos envolvidos, e fechar os olhos sobre os impactos desse tipo de agricultura sobre a natureza e as comunidades, sobretudo, fechar os olhos sobre a lógica predadora e acumulativa dessa disputa, é decididamente tomar partido daqueles que criaram a crise da sustentabilidade. O que está em jogo é o solapo dos bens naturais – solos, água, biodiversidade – que sustentam a humanidade. Podemos produzir mais agora, mas, decididamente, vamos comprometer as bases naturais para as gerações futuras.
3) As Alterações no Código e os Pequenos Agricultores.
Um problema de ordem prática que se coloca é que muitos pequenos agricultores também estão entre os que depredaram suas áreas de preservação permanente e plantaram em morros com inclinação acima de 45º. Ainda mais, muitas das pequenas propriedades estão nesses morros. Portanto, estão impedidos de ampliar sua área agrícola.
Primeiro, para tratar dessa questão, não é necessário fazer as mudanças no Código Florestal que estão sendo propostas. Nesse sentido, os pequenos estão sendo bois de piranha dos grandes interesses. Há propostas de ocupar essas áreas com árvores frutíferas e outros manejos que tenham finalidade econômica e ao mesmo tempo respeitar a demanda da natureza. O Código tem base científica e, vale lembrar, que a ciência protesta contra as mudanças exatamente porque foi posta de fora dessas decisões. Os cientistas que participam foram convenientemente escolhidos pelos interessados na mudança do Código.
A simples possibilidade que agricultores com até quatro módulos sejam poupados pela mudança do Código, já fez com que áreas enormes já estejam sendo retalhadas para se enquadrarem no novo padrão legal. Portanto, maquia, mas não resolve o problema.
Além do mais, não se resolve um problema social criando mais um problema ambiental. Muitas das pequenas propriedades são inviáveis não porque respeitam as leis ambientais, mas porque são minifúndios, portanto, tecnicamente são áreas pequenas demais para viabilizar a vida de uma família naquele espaço. Portanto, a questão remete à concentração da terra no Brasil, não ao problema ambiental da preservação em si mesmo. Ele só aparece porque não há espaço outro para a expansão da atividade familiar.
4) Novas técnicas agrícolas e preservação.
Surgiram algumas técnicas para garantir a produção e evitar, por exemplo, a erosão dos solos. Uma delas é o chamado "plantio direto”. Evita-se o revolvimento do solo com máquinas, praticamente plantando sobre as palhas da cultura anterior as novas sementes. De fato, diminui em muito a erosão. Esse tipo de técnica está sendo usado como argumento para facilitar o desmatamento em função da agricultura extensiva.
Mas, é bom lembrar que o plantio direto não evita a força dos ventos, muito menos tem a capacidade de fixar carbono que as florestas têm. Além do mais, exige doses colossais de venenos. Portanto, é preciso olhar a questão no seu conjunto.
Quanto à redução das matas ciliares, evidente que ter 12 metros é melhor que não ter nenhum metro. Mas, é preciso lembrar que só na área de Minas Gerais, nascentes do São Francisco, mais de 1200 pequenos riachos foram extintos, o que vai impactando diretamente na força do rio, nesse caso o São Francisco. Quando chove há água, mas quando ele precisa de seus afluentes e aquíferos de abastecimento – aquífero Urucúia -, então o rio mostra a fragilidade a partir do desmatamento do Cerrado. Entre vegetação e água existe uma conexão indissolúvel.
É importante pensar a partir dos biomas, mas é essencial pensar a interconexão dos biomas. Por exemplo, o grande reservatório de águas do Brasil está no Cerrado. Ele abastece as bacias do sul (Prata), Nordeste (São Francisco) e Norte (Araguaia-Tocantis) e Amazônica. Preservar os Cerrados é preservar grande parte das águas brasileiras.
O Aquecimento Global, pelos estudos já realizados, vai aumentar a temperatura do semiárido, diminuir disponibilidade de solos agrícolas em torno de 1,5% ao ano e diminuir a disponibilidade hídrica. A perda total de solos agrícolas do semiárido pode chegar a 60% em alguns estados em 50 anos (Embrapa Semiárido). A Amazônia tende a tornar-se uma savana. Acontece que grande parte das chuvas que caem no sul e sudeste do Brasil tem sua origem no rio aéreo que desce da Amazônia para o sul. Sem Amazônia não há, portanto, agricultura no sul e sudeste.
Portanto, modificar todo esse sistema complexo, no qual a vegetação tem influência decisiva, é mais que temerário, é uma loucura. Quebrar a legislação por interesses econômicos e corporativos, assim facilitando a quebra das leis da natureza, é ainda mais temerário.
Portanto, um interessante posicionamento da CNBB, do ponto de vista ético, é fundamental. O imperativo de vencer a fome a sede imediatamente não pode comprometer o suporte natural de vencer a fome e a sede das gerações futuras.
Outra atitude interessante da CNBB seria ouvir o mundo da ciência, particularmente aqueles que discordam das mudanças propostas, já que eles reclamam não estarem sendo ouvidos.
5) Novas atitudes.
Por outro lado, diante da Campanha da Fraternidade desse ano, muitos agricultores começaram de forma espontânea ou organizada a reagir ao desmatamento. Há agricultores na Chapada Diamantina refazendo matas ciliares, assim como a comunidade extrativista de Serra do Ramalho na região da Lapa, assim como um interessante trabalho de recuperação de rios da Cáritas em Rio dos Cochos, em Minas.
Há agricultores na caatinga cultivando as árvores nativas como a aroeira e o angico. Enfim, há outra linhagem de pensamento que não a imediatista, mesmo no meio dos pequenos agricultores.
Enfim, como vamos produzir comida para toda a humanidade? Essa é uma resposta em construção. Em todo caso, segundo a ONU, não será devastando solos, consumindo água além do sustentável, erodindo a biodiversidade que a humanidade encontrará uma saída para a fome, a sede, desta e das futuras gerações.
É possível vencer a fome e a sede em outro modelo agrícola e agrário, mas esse é um desafio do tamanho da humanidade.
Nesse caso, mais que nunca, cabe o princípio da precaução.

Por Roberto Malvezzi, Gogó
Adital

PIB envenenado


Qual seria realmente o tamanho do PIB mundial, particularmente o brasileiro, se livre do lixo econômico que ajuda inflar seu corpo?
As últimas informações nos dizem que o PIB real do mundo é cerca de 60 trilhões de dólares, enquanto o especulativo é de 600 trilhões de dólares. Portanto, dez vezes mais.
Mas não é do lixo inflacionário que falo agora, mas daquele que é literalmente envenenado, o caso brasileiro.
O chamado PIB do agronegócio em 2010 foi estimado em R$ 821,1 bilhões. Destes, R$ 88,8 bilhões foram da cadeia de insumos, R$ 217,5 bilhões no campo, R$ 251,4 bilhões na indústria e R$ 263,4 bilhões na distribuição. (http://www.ourofino.com/noticias/mercado/2011/06/14).
Entretanto, faz parte desse monumento econômico tudo que se gasta com veneno, aquele consumido basicamente pelos brasileiros numa média de 5,2 litros por pessoa ao ano. Evidentemente o veneno entra na lista dos insumos.
Segundo Raquel Maria Rigoto, desde 2008 o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando 6,62 bilhões de dólares (http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br).
Esse é o tamanho econômico do PIB envenenado. Mas, temos que ressaltar que a venda de aeronaves destinadas à borrifarão, o custo dos pilotos, etc está embutido na dimensão industrial do agronegócio.
Portanto, no PIB mundial, se formos descartar o orçamento militar, por exemplo, ele encolherá substancialmente. Se formos descartar a indústria dos venenos, tanto em termos mundiais como em termos brasileiros, ele encolherá também significativamente.
Os movimentos sociais da Via Campesina estão promovendo uma campanha permanente contra o uso dos agrotóxicos. É uma campanha pela saúde brasileira.
Portanto, nem tudo que é PIB presta. Há muita especulação, muito lixo, muito veneno inflando a tal riqueza brasileira.
Enfim, PIB não é sinônimo de qualidade, mas apenas a contabilidade econômica de tudo que se produz, indo das armas aos venenos, passando inclusive pela lavagem do dinheiro do tráfico.

Por Roberto Malvezzi (Gogó)
Fonte: Brasil de Fato 

domingo, 25 de setembro de 2011

Notas de um Observador 6: Não falem pelo Povo


A cidade de Altamira está cheias de outdoors com a frase “BELO MONTE SIM”, o que não é nenhuma surpresa vindo de quem assinam a propaganda, FORT XINGU E SINDECOM (Sindicado do comércio dos Municípios de Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará e Vitória do Xingu) .
A surpresa é que na propaganda eles reivindicam emprego, moradia digna, hospitais, escolas, e infraestrutura urbana. Quem lê o outdoor e não os conhecem jura que FORT XINGU E SINDECOM, de fato se preocupam com essas demandas. Esses pontos são problemas do povo, que só se agravaram com a vinda de BELO MONTE, que o mesmo FORT XINGU E SINDECOM apóiam até hoje. Essas entidades da elite só pensam na elite.
A elite fala pela elite, e o povo fala pelo povo. As nossas mazelas são causadas por essa burguesia mesquinha. Que respaldo eles tem para falar de escola pública, de saúde pública, de moradia, se seus filhos estudas nas escolas mais caras da cidade, vivem em prédios  murados e todos tem um plano de saúde privado.
Não falem pelo povo!
Por João Fernando

Como perceber a exploração?


Hoje em Altamira o que todo mundo comenta são as vagas de empregos ofertadas na cidade. Na televisão, anúncios de vagas para trabalhar como se fosse um produto à venda em promoção. Andando pelo comércio, aqui ou ali se vê uma placa de vaga de emprego, tudo realmente que Altamira precisava.
Mas, quais são realmente as condições de trabalho a que são submetidos esses trabalhadores? Vamos fazer uma análise dos trabalhadores de duas grandes empresas que estão presentes aqui, Em Casa e Consórcio Construtor Belo Monte.
A Em Casa foi a primeira a assumir uma grande obra em Altamira, a construção do conjunto habitacional do projeto Minha Casa Minha Vida, empregando vários trabalhadores. Por diversas vezes ouvi dos trabalhadores dessa empresa os maus tratos por parte das chefias, até caso de racismo já houve, quando um dos mestres de obra reclamou a um dos funcionários chamando-o de “nego”. Outro caso, foi de um trabalhador que adoeceu, ficando impossibilitado de trabalhar por alguns dias e ao retornar ao serviço foi demitido.
No Consórcio Construtor Belo Monte a maioria dos funcionários trabalham na zona rural, eles vão e voltam todos os dias enquanto os alojamentos não estão feitos. Todos os dias de madrugada, de segunda a sábado, encontramos em vários pontos da cidade homens e mulheres esperando o ônibus para irem ao trabalho.
Para a empresa, as jornadas de trabalho dessas pessoas iniciam somente quando chegam ao canteiro de obra, mas se observarmos direito começa quando chegam ao ponto de ônibus e saem para enfrentar a Transamazônica por horas e depois ocupar suas funções de fato.
Depois que os alojamentos ficarem prontos os trabalhadores passarão a semana fora de casa, o que significa várias mães e pais deixarão seus filhos na cidade com os parentes, ou pagarão alguém para cuidá-los. Essa separação forçada da família é por uns míseros R$ 572,00 mensais na carteira, aí vem mais as gratificações fazendo chegar a um total máximo de algo em torno de R$ 750,00.
Mas para todos, esses empregos é a salvação da lavoura, o cumprimento do milagre prometido. E por quê? Primeiramente devemos compreender todo o processo para chegarmos ao presente cenário.
O sistema capitalista quando quer implantar um projeto, primeiramente cria todas as condições para gerar um ambiente favorável à aceitação e o máximo de lucro possível. Antes, os altamirenses e toda região da Transamazônica e Xingu viviam basicamente pelo emprego gerado pelas prefeituras e comércio local.
Até hoje para conseguir um cargo em qualquer prefeitura da região é obrigado ter indicação política de prefeito (a),vereadores e seus assessores. O comércio local sempre operou num sistema de muita exploração de seus trabalhadores com jornadas de trabalhos excessivas e remuneração muito aquém da necessidade.
E por fim, como conseqüência do fechamento das madeireiras, nos últimos tempos chegou ao mais alto nível de desemprego na região. Temos assim então uma precarização total da mão-de-obra.
Conseqüentemente, é dada ao trabalhador a chamada Alternativa Infernal, ou um emprego com péssimas condições de trabalho e mal remunerado, ou fica desempregado. Desta forma o proletariado altamirense vende sua mão-de-obra feliz da vida sem perceber  ou sem condições de se libertar do alto nível de exploração ao qual são submetidos.
O capital antes de tudo aumentou ao máximo o exército de reserva, ou os pais e mães de família aceitam o que lhes são impostos ou continuarão desempregados, pois esse exército de reserva a cada dia cresce com as pessoas que chegam à região em busca do seu lugar ao sol. A questão que fica no ar é: como organizar esse proletariado, e quem os organizarão?
Por Maria Fernanda Linhares

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

10% do PIB para a educação já!

1. A educação pede socorro:
O orçamento geral da União de 2010 foi de R$1,4 trilhão de reais. Este valor é dividido, como gasto público, com base nas prioridades do Governo Federal. Foram destinados R$635 bilhões (44,93%) do total do orçamento a pagamentos de juros e amortizações das dívidas do Governo Federal, enquanto a educação recebeu somente 2,89% do valor total.
Neste processo de priorizar o pagamento das dívidas e o financiamento de projetos do capital, crescem as iniciativas sociais de “recuperação da educação pública brasileira”, protagonizadas pelas organizações sem fins lucrativos (ONG´s).
Amigos da Escola e Todos pela Educação são exemplos da lógica dominante de aparente socorro do público pelo privado, que mascara a condução política dos recursos públicos pelo grande capital.
O projeto Todos pela educação criado em 2006, traça 5 metas para o período de 2006-2022 que, segundo seus porta-vozes, deverão reverter o quadro de dependência e sujeição histórica da fração mais pobre da sociedade brasileira.
As metas são: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; 2) Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; 3) Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; 4) Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; 5) Investimento em Educação ampliado e bem gerido.
Entre os patrocinadores do projeto estão: Santander, Dpaschoal, institutos Unibanco, HSBC, Camargo Correa, Odebrecht, Itaú Social, Gerdau, Fundações Bradesco, Suzano papel e celulose. A Rede Globo entra como parceira e Amigos da Escola e Microsoft, apoiadores.
Estas pessoas jurídicas acima são o corpo social do grande capital, cuja razão real de ser, é desconhecida por grande parte da sociedade brasileira. O que caracteriza a responsabilidade social? Quanto uma fundação que executa atividades como estas, pode isentar-se de parte dos impostos devidos sobre sua base de lucros no ano corrente?
Também chama a atenção no site Amigos da Escola a concepção de trabalho voluntário, a partir da consciência individual sobre a participação para um futuro inclusivo para fração da sociedade.
Em nenhum destes programas o problema central da educação nos remete ao processo político dos gastos públicos brasileiros que transforma o essencial em periférico, como é o caso da educação.
Estes projetos contam com todos os recursos para propagandear suas verdades, uma vez que consolidam a concepção do voluntário cidadão que está servindo ao futuro da Nação, ao destinar seu tempo e coração a estas ações.
Os trabalhadores voluntários merecem nossa atenção, dada a disputa que necessitamos realizar. Mas os que convocam, são usurpadores do tempo, do trabalho, da cidadania participativa concreta.  
2.    Luta pela educação como direito:
O que estes projetos ocultam, na faceta de amigos e todos pela escola, é a real necessidade do direito democrático e popular do povo brasileiro de exigir e lutar por/pela:
- uma educação pública de qualidade com o compromisso do Estado de cumprir com sua função republicana de destinar uma verba compatível com aquilo que recebe de impostos de sua sociedade. 10% do PIB para a educação já.
- condições dignas de trabalho e de remuneração para os educadores e funcionários públicos da educação, que têm atuado, a partir dos salários que recebem como voluntários pela justiça social.
- garantia de acesso-permanência da criança e do jovem na escola e de uma aprendizagem de saberes múltiplos que remetam o papel essencial da escola na vida destes sujeitos. A escola como espaço fomentador de beleza e cultivo, próprio para gerar algo para além de seus muros: a realização dos sonhos potencializada pela educação pública de qualidade.
- realização de uma alimentação escolar digna. Na atualidade, tanto as crianças como as merendas são tratadas como recursos em disputa a serem barateados.
- conformação de um serviço público prioritário, em que não se terceirizem funções estratégicas do cuidar, como a limpeza, a segurança e a manutenção geral do ambiente escolar.
3. Sujeitos de direitos x amigos da escola:
Agiremos em prol da educação como cidadãos se deixarmos de sermos amigos e passarmos à condição de sujeitos de direitos e deveres em pé de igualdade. Isto requer ver a escola não a partir do que cada um possa dar, mas pela instituição do caráter legítimo e legal de que todos devem ter acesso à educação de qualidade, como direito.
Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação.
Gerar um antivalor à educação projetada pelo capital, associado à governança pública, cuja ação é a de substituir direito por benevolência, recursos públicos por trabalho voluntário, consciência de classe por doação individual de seus saberes.
A movimentação social da educação mineira, há mais de 100 dias em greve, nos dá ares reais da necessidade de reversão do histórico quadro de precarização da educação pública. Mexeu com o professor, mexeu conosco em qualquer parte do País e do mundo!
A escola pública brasileira não necessita de amigos. Necessita de políticas públicas que consolidem direitos e garantam a prioridade na formação da infância e da juventude. Há um projeto em disputa. É necessário que compremos a briga, que declaremos nossas diferenças, que instituamos nossas verdades frente à fantasia organizada pelo grande capital.

Por Roberta Traspadini
Fonte:Brasil de Fato 

A dívida é ilegal e imoral

No Brasil é assim: tudo pode ser adiado, menos o pagamento das dívidas externa e interna. E isso não é conversa de "esquerdista”. É coisa firmada na lei. Quem explica é Maria Lucia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida. Segundo os estudos feitos pelo movimento que luta por uma auditoria, levantados desde as informações oficiais, só no ano de 2010 o orçamento nacional foi consumido em 44,93% (635 bilhões de reais) para pagamento de juros das dívidas. Isso significa que do bolo todo que o governo tem para gastar quase a metade já nasce morto. Da outra metade que resta para investimentos, o governo gasta apenas 2,89% com educação e 3,91 com saúde. Por conta disso, mais de 60% dos brasileiros não tem água tratada nem saneamento. Isso na sétima economia do mundo.
Diante desses números, Fatorelli mostra como e por que a dívida acaba consumindo o dinheiro que deveria servir para dar uma vida melhor à população. Segundo ela, a Constituição, no artigo 166, estabelece que um deputado só pode pedir aumento no orçamento se indicar de onde virão os recursos. Mas se o aumento do orçamento incidir sobre o pagamento do serviço da dívida isso não é necessário. "Isso configura claramente um privilégio e foi aprovado. Está lá, na Constituição”. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes Orçamentárias define que o orçamento deve ser compatível com o superávit, assim como a famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os governantes a cortar gastos no social, mas não os dispensa do pagamento da dívida. Ou seja, a dívida sempre em primeiro lugar, pois, se o governante não pagar, vai preso. "Mas ninguém vai preso se as pessoas morrem nas portas dos hospitais, se as crianças não têm escola”.
Fatorelli explica que o privilégio para o pagamento da dívida segue no desenho das metas da inflação, diretriz de política monetária proposta pelo Fundo Monetário Nacional que é seguida a risca pelo governo brasileiro. Isso se expressou, por exemplo, na criação da taxa Selic, a qual boa parte da dívida esteve e está atrelada. Essa taxa sempre é elevada, cada vez que há um suposto perigo para os investidores. Isso significa que quem investe nos papéis da dívida nunca vai perder.
Conforme Maria Lúcia o governo trabalha com inverdades no que diz respeito à política monetária. Um exemplo é justamente esse de tornar necessário o aumento da taxa Selic para conter a inflação. "Isso não é verdade. Aumentar a taxa Selic não controla a inflação nos preços existentes, porque eles decorrem da privatização. A luz privatizada, a água privatizada, a saúde, etc. O aumento dessa taxa só serve aos que têm papéis da dívida”. Outra conversa furada é a de que o excesso de moeda provoque inflação. "A montanha de dólares que entra no país só acontece porque o próprio governo isenta as empresas multinacionais de imposto. Não é decorrente da circulação de mercadorias reais. É fruto do movimento virtual de papéis”.
A entrada de dinheiro se dá da seguinte forma. Nas operações de mercado aberto (bolsa) que hoje superam meio trilhão de reais, o Banco Central entrega títulos da dívida para os bancos e fica com os dólares. Nessas operações, o Banco Central – que em tese é o Estado brasileiro – só consegue amealhar prejuízos. Em 2009 foram 147 bilhões de prejuízos, em 2010, 50 bilhões e neste primeiro semestre de 2011 já foram 44 milhões. Por conta disso, Fatorelli insiste em dizer que os gestores do Estado são responsáveis sim por essa política que arrocha cada dia mais a vida do povo. Os bancos lucram e o povo é quem paga a conta.
Outra coisa que muito pouca gente sabe - porque a mídia não divulga – é que todo o lucro das empresas estatais é direcionado, por lei, para pagamento da dívida. O mesmo acontece com os recursos que os estados da federação pagam ao governo central. Toda e qualquer privatização que acontece carrega o valor da venda para pagamento da dívida, assim como os recursos que não são utilizados no orçamento também passam para o bolo do pagamento da dívida.
Maria Lúcia Fatorelli afirma que essa é uma estratégia de manutenção de poder e acumulação que não mudou sequer um centímetro com o governo de Lula ou Dilma. Os papeis da dívida rendendo 12% ao mês são o melhor negócio que alguém pode ter. Tanto que em 2010 houve um acréscimo de mais 12 bilionários no Brasil e desse número, oito são banqueiros. A lógica do pagamento da dívida garante risco zero aos investidores, que são os mesmos que financiam as campanhas eleitorais e patrocinam a mídia. Assim, tudo está ligado.
No meio dessa farra de dinheiro público indo para bolsos privados, há uma ilusória distribuição da riqueza. O governo acena com pequenos ganhos aos pobres, como é o caso da bolsa família. Vejam que esse programa consome apenas 12 bilhões ao ano, enquanto a dívida leva 635 bilhões. O governo também coloca como um grande avanço o acesso das classes C e D a produtos baratos e o acesso a crédito e financiamento. Mas na verdade, o que promove é o progressivo endividamento dessas pessoas. Por outro lado, o Brasil tem um modelo tributário que é um dos mais injustos e regressivos. "Quem ganha até dois salários mínimos tem uma carga tributária bem maior do que os demais trabalhadores. E os ricos, no geral, são isentos de imposto. Já os empresários são frequentemente presenteados com deduções generosas, inclusive sobre despesas fictícias, que nunca foram feitas, enquanto os trabalhadores não podem deduzir do imposto despesas reais como aluguel, remédios, óculos”.
A ilusão de que as contas estão boas também se dá na espalhafatosa decisão de pagar adiantado ao FMI, que trouxe dividendos políticos a Lula, mas acarretou em mais rombos aos cofres públicos, tirando dos gastos sociais para colocar no bolso dos banqueiros. Foi um resgate antecipado de títulos da dívida, feito com ágio de até 70%, para que não houvesse qualquer perda aos investidores.
Agora em 2011 o governo de Dilma Rousseff iniciou anunciando o corte de 50 bilhões do orçamento, como um "ajuste necessário”. Faltou dizer, necessário para quem? Para os especuladores. Há que pagar a dívida. O Brasil consome um bilhão de reais por dia no pagamento da dívida. Fatorelli procurar dar uma visão concreta do que seria um bilhão. "Imaginem um apartamento, desses bem finos, que custa um milhão de reais. Um bilhão equivaleria a cem edifícios de 10 andares, sendo um apartamento por andar. É isso que sai do nosso país todos os dias”. Não é sem razão que enquanto os trabalhadores são massacrados e não recebem aumento salarial, os bancos tenham auferido um lucro de 70 bilhões de reais no ano passado. É a expressão concreta da regra do mundo capitalista: para que um seja rico, alguém tem de ser escravo.
Na verdade o processo da dívida externa e também da dívida interna deveria sofrer uma auditoria e é nessa luta que um grupo de pessoas anda já há algum tempo. Maria Lúcia Fatorelli foi membro da comissão que auditou as dívidas do Equador, quando o presidente Rafael Correa decidiu realmente saber como funcionava o rolo compressor e ilegal da dívida daquele país. Segundo ela, no Equador, comprovou-se que mais de 70% da dívida era ilegal, fruto de anos e anos de acordos espúrios e irresponsáveis, muito parecidos com os que foram feito no Brasil. Correa decidiu não pagar e 95% dos seus credores aceitaram a proposta sem alarde, pois sabiam que se fossem discutir na justiça internacional correriam o risco de ter de devolver muitos bilhões.
Hoje, no Brasil, uma auditoria provaria muitas ilegalidades e até crimes de lesa pátria. Como explicar, por exemplo, que se pague 12% ao mês aos investidores enquanto o Banco Central brasileiro aplica suas reservas em bancos estrangeiros, que pagam juros pífios? Como aceitar que o Banco Central acumule prejuízos enquanto encha as burras dos investidores dos papéis podres? Por isso que a tão falada crise não pode ser vista como uma mera crise financeira. Ela é social e ambiental, pois coloca o salvamento dos bancos acima até da vida do planeta.
Como funciona o esquema dos papeis podres
Há um mito de que no mundo capitalista quem manda no movimento das coisas é o mercado. Ele define tudo, preços, valor, tudo baseado na oferta e procura. Assim, em nome desse mito criou-se a concepção de desregulamentação do mercado. Ou seja, o estado não pode interferir nesse movimento. Assim, o mercado, que é bem espertinho, sem um equivalente concreto de riqueza decidiu criar os famosos papéis podres, ou ativos tóxicos, ou derivativos. E o que é isso? Bom, para entender há que se fazer um bom exercício de abstração. Imagine que a pessoa compra uma casa e ela vale um milhão. Aí a pessoa define que daqui a um ano ela estará valendo dois milhões, então vai ao mercado de ações e vende dois milhões em papéis. Desses dois milhões, apenas um tem valor real, está ali, consolidado em uma casa real. O outro milhão é fictício. Ele só existe no desejo. Imagine que venha um furacão e danifique a casa. Lá se vai aquele milhão em papel podre, e quem comprou esses papéis perde tudo que investiu. Foi mais ou menos isso que aconteceu na crise imobiliária estadunidense.
Agora imagine que os bancos fazem isso todos os dias. Eles jogam ações no mercado e não precisam provar que essas ações têm uma correspondência real. Os derivativos são nada mais nada menos do que apostas. O mercado sabe que é uma aposta, e para não perder ele estabelece um seguro. Assim, se acontecer dos derivativos virarem pó, eles não perdem nada. E quem é que paga para os bancos continuarem quebrando a vida real dos que investem nos papéis podres? Nós. Porque quando os bancos entram em risco de quebra, como aconteceu lá nos Estados Unidos, o Estado vai e socorre. Para se ter uma idéia, na crise, o banco central estadunidense chegou a repassar 16 trilhões de dólares para salvar os bancos da bancarrota. O que mostra que é uma falácia esse negócio de "mercado livre”. O mercado só é livre quando há lucros, quando há prejuízos quem paga a conta é povo.
Então, quando aparece na televisão a crise na Grécia, os protestos na Espanha, na Itália, Irlanda, França e mesmo no Brasil, já se pode saber que o que está acontecendo é exatamente isso. Os países estão se endividando para salvar investidores e pagar as dívidas que contraem nessa roda viva de papel podre. Assim, define Fatorelli, a crise no setor financeiro dos países é falsamente transformada em crise da dívida. E os países então colocam sob os ombros do povo o pagamento de suas "apostas” mal feitas ou ilegais.
No Brasil a dívida externa chega a 350 bilhões e a dívida interna aos 2,5 trilhões. A dívida bruta consome 70% do PIB e o governo paga os maiores juros do mundo. É uma festa interminável para os investidores mundiais, sem risco algum. O governo de FHC consumiu, só em juros, dois trilhões de reais, o governo Lula, 4,7 trilhões. Tudo o que se diz na televisão sobre os problemas que o estado tem com o orçamento é mentira. Há dinheiro suficiente, mas ele é usado para enriquecer, sem riscos, os investidores. Não bastasse isso, ao longo dos anos, as taxas de juros, que garantem os maiores lucros do mundo, são definidas por "especialistas”. Desse grupo que orienta os juros 51% são representantes dos bancos e 35% representam o subgrupo de gestão de ativos. Ou seja, eles atuam em interesse próprio. Só isso já bastaria para se dar início a uma séria investigação sobre o tema da dívida. Porque da forma como tudo acontece, assoma claramente a intenção do prejuízo à nação. Vem daí a proposta de uma auditoria, aos moldes da que fez o Equador. Mas, para isso precisaria haver uma decisão política. Por que será que ela não acontece? É hora de a gente pensar...

Elaine Tavares
Jornalista
Fonte:Adital

Código Florestal: o que está em jogo

Na medida em que se aproxima a votação do Código Florestal no Senado, crescem as apreensões sobre a urgência de acertos indispensáveis, que tenham presente os diversos aspectos da questão, para que não se aprove uma lei que venha causar prejuízos inesperados, por falta de percepção de suas implicações.
Como na arte fotográfica, o novo Código Florestal precisa de duas abordagens simultâneas. Uma é a imagem captada quando usamos a lente grande angular, onde cabem dentro todos. Outro é o resultado quando focamos a lente num ponto determinado, e o ampliamos para ser melhor percebido.
O Código Florestal deve ser olhado com as duas lentes.
No seu conjunto, ele precisa ter uma estrutura coerente e uma articulação orgânica, em que os diversos pontos convergem para fortalecer sua visão unitária. Ao mesmo tempo, cada detalhe merece ser olhado com lupas de aumento, para conferir suas propostas, para que produzam o resultado esperado.
Se nos perguntamos o que está em jogo com o Código Florestal, usando lente grande angular, acabamos flagrando o Brasil todo, com seus diversos biomas, desde a floresta amazônica, o cerrado, a caatinga, a mata atlântica, o pantanal e o pampa, mas também, com muita evidência, a população brasileira, que não pode ser olhada como se fosse um detalhe secundário, mesmo se tratando de uma lei cujo foco são as florestas. A visão global não dispensa o enfoque específico. Depois da grande angular, é preciso usar a lente de aproximação.
Pois bem, vamos aos detalhes. Constatamos de imediato que todos os biomas merecem uma atenção própria. As urgências podem ter procedência diferente, mas são todas válidas. Algumas para em tempo conservar o que ainda resta, como é o caso da mata atlântica. Outra urgência é mais própria da floresta amazônica, ainda em tempo de preservá-la na sua importância nacional e mundial. Estas urgências precisam de adequada tradução legal, pela acertada formulação que o novo Código deve apresentar.
Ligada às florestas está a água, cuja realidade se traduz em rios, riachos, córregos, sangas, fontes, vertentes, açudes, represas, aquíferos. A água tem direito de cidadania em qualquer código florestal que se queira elaborar.
Outro aspecto que não pode faltar é a ampla e complexa realidade da agricultura. Também pudera: o solo, a água, as florestas, formam nosso hábitat. Dele dependemos, dele precisamos cuidar, para que continue nos garantindo vida. Um código florestal sábio não pode errar num ponto tão vital como este.
Mas agora, com a lente de aproximação, identificamos um elo muito frágil, mas muito importante, por diversos motivos, no conjunto abrangido pelo Código Florestal. Trata-se dos pequenos agricultores. Eles merecem um cuidado todo especial. Pois não podemos permitir que se repitam erros históricos, que ainda hoje pesam sobre a realidade brasileira, fruto de leis equivocadas, mesmo feitas com boa intenção. Vale a pena lembrar, pois a história nos ensina.
Já em 1850, com a "lei de terras”, no Brasil só os ricos passaram a ter acesso fácil à terra, enquanto os pobres ficaram a ver navios. Depois, mais recentemente, com a extensão dos direitos trabalhistas urbanos ao campo, se produziu um verdadeiro despejo de pequenos agricultores e trabalhadores rurais para a periferia das cidades, quase todos futuros candidatos à bolsa família. Enquanto advogados faturaram alto incentivando processos trabalhistas em que pobres exploravam pobres, até nivelar todos por baixo. É triste constatar que sempre existem instâncias intermediárias, que em situações como esta, exploram as deficiências do poder público, e faturam em cima de causas que são justas, mas servem de pretexto para condicionar a lei em favor de interesses corporativistas dos mais diversos. O alerta vale sempre, também agora!
Às vezes as utopias, aliadas a ingenuidades, produzem grandes desastres.
O elo mais frágil de todo o conjunto do novo Código Florestal são os pequenos agricultores. Eles precisam de uma atenção especial. Pois correm o risco de sofrer de imediato as consequências negativas de eventuais itens equivocados do Código. Uma coisa é lidar com a natureza, que tem fôlego de milênios, e sempre será tempo de corrigir equívocos. Outra coisa é lidar com situações sociais, cujos processos de sustentação podem degenerar rapidamente, com consequências negativas irreversíveis.
Se a CNBB tem uma causa histórica a defender neste Código Florestal, sem dúvida nenhuma, é a causa dos pequenos agricultores. Para que não se inviabilize de vez a agricultura familiar, que já tem tantas adversidades a enfrentar.
O novo Código não pode significar o atestado de falência da agricultura na pequena propriedade no Brasil!
Por Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
Fonte:Adital

A volta da “conciliação nacional”

Aos desavisados, pode ter parecido que a aprovação do PL 7.376/2010 pela Câmara dos Deputados, na noite de 21 de setembro, foi uma vitória da democracia. Afinal de contas, o projeto impôs uma derrota aos setores de extrema-direita representados por parlamentares como o ex-capitão Jair Bolsonaro. Afinal de contas, dirão os otimistas, conseguiu-se criar a Comissão Nacional da Verdade, antiga reivindicação de ex-presos políticos e de familiares de desaparecidos políticos.
Ocorre que a Comissão Nacional da Verdade — na configuração em que foi aprovada e caso o Senado mantenha inalterado o texto do projeto — tende a resultar em mero embuste, um simulacro de investigação, tais as limitações que lhe foram impostas. Será preciso enorme pressão dos movimentos sociais para que ela represente qualquer avanço em relação ao que já se sabe dos crimes cometidos pela Ditadura Militar, e, particularmente, para que obtenha qualquer progresso em matéria de punição dos autores intelectuais e materiais das atrocidades praticadas pelos órgãos de repressão política.
A verdade pura e simples é que o acordo mediante o qual o governo aceitou emendas do DEM, do PSDB e até do PPS, mas rejeitou sem apelação e sem remorsos as diversas emendas propostas pela esquerda e pelos movimentos sociais, é a renovação da transição conservadora de Tancredo Neves. O acordo que selou a “conciliação nacional”, celebrado nos estertores da Ditadura entre o líder do conservadorismo civil e a cúpula militar, foi preservado por Lula e acaba de ser repaginado e remoçado por Dilma Roussef. Os militares são intocáveis, não importa que crimes tenham cometido, e seus financiadores e ideólogos civis idem.
Não foi por outra razão que o líder do DEM, deputado ACM Neto, subiu à tribuna ao final da sessão, minutos antes da votação decisiva, para elogiar “a boa fé e o espírito público” da presidenta da República. “O Democratas está pronto para votar, pronto para dizer sim à História do Brasil”, acrescentou gloriosamente. O deputado Duarte Nogueira, líder do PSDB, também comportou-se à altura da ocasião. Depois que o líder do governo, deputado Candido Vaccarezza, dispôs-se a incorporar uma emenda conjunta da deputada Luiza Erundina e do PSOL, Nogueira elegantemente pediu a palavra para objetar e declarar inaceitável o seu teor. Foi o que bastou para o líder do governo imediatamente recuar.
Muito sintomático do tipo de acordo que se arquitetou, e do papel que se pretende reservar à Comissão Nacional da Verdade, foram as repetidas homenagens que ACM Neto, Vaccarezza e até o líder do PT, deputado Paulo Teixeira, prestaram ao ex-ministro Nelson Jobim e ao seu assessor José Genoíno. Estes dois personagens foram os leva-e-traz dos altos comandos das Forças Armadas nas “negociações” entre estas e o governo ao qual deveriam prestar obediência. O líder do governo foi mais longe em suas demonstrações de subserviência e chegou a agradecer expressamente aos comandantes militares.
Na tribuna, o deputado Paulo Teixeira fraudou a história ao declarar que, “como todos sabem”, as violações ditatoriais “foram praticadas entre 1968 e 1980”! Portanto, não houve golpe militar nem qualquer atrocidade entre 1964 e 1968. Gregório Bezerra não foi arrastado seminu pelas ruas de Recife. Os militantes das ligas camponesas não foram executados pela repressão. Comunistas não foram presos e torturados na Bahia. O tenente-coronel aviador Alfeu de Alcântara Monteiro não foi assassinado na Base Aérea de Canoas, e o sargento Manoel Raimundo Soares não foi atirado, de mãos amarradas, nas águas do Guaíba. Nada disso. E, para arrematar, o líder do PT citou a boa tese de Tancredo: a “conciliação nacional”, a ser propiciada pela Comissão Nacional da Verdade.
O setor da esquerda que embarcou no acordo para manter viva a Ditadura acredita piamente que não é possível, nem desejável, avançar um milímetro em punições, porque a correlação de forças está dada, ad eternum, desde a transição. Nisso, consegue apequenar-se perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao julgar o caso da Guerrilha do Araguaia, decretou que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e que “são inadmissíveis as disposições de anistias, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”.
Mas qual será mesmo a finalidade da Comissão Nacional da Verdade, se contar com apenas sete membros, alguns dos quais poderão ser até militares; se não dispuser de autonomia financeira; se tiver de investigar quatro décadas em apenas dois anos; se for sujeita ao sigilo; e, finalmente, se não puder remeter suas conclusões ao Ministério Público e à Justiça, para que os autores dos crimes e atrocidades cometidos pela Ditadura Militar sejam julgados e processados na forma da lei?
A resposta é uma só. Na visão desse setor que envergonha a memória dos heróis tombados na luta contra a Ditadura, ela foi assim enunciada pelo ex-ministro Nilmário Miranda: “O objetivo principal da Comissão da Verdade é produzir um relatório que seja base para os currículos escolares. Essa que é a grande novidade, nunca tivemos isso na história do Brasil”.

Por Pedro Estevam da Rocha Pomar
Fonte: Brasil de Fato