O próprio termo Natal significa nascimento e,
portanto, vida nova. O comércio faz das festas natalinas uma incessante
repetição das mesmas músicas, mesmos tipos de ornamentação e até os
mesmos artigos de consumo. Ao contrário, a festa cristã do Natal não
deve ser apenas a repetição de outros natais que já vivemos, e sim
celebração de uma nova e atual visita divina à humanidade. O Natal não é
o aniversário do nascimento de Jesus, visto que ninguém sabe o dia
exato em que ele nasceu. Os cristãos antigos transformaram a festa do
solstício do inverno na festa do nascimento de Jesus para testemunhar
que, através de Jesus, o próprio Deus veio assumir nossa história e
trazer ao mundo o seu projeto de paz, justiça e amor.
Atualmente,
o Natal tomou uma dimensão maior do que a celebração cristã. Mesmo
entre pessoas não religiosas ou de outras tradições, o Natal se tornou
ocasião de confraternização e unidade. Uma vez, em Caracas, na porta de
uma mesquita, vi um cartaz, através do qual os muçulmanos desejavam a
todos que passassem por ali um feliz Natal. Nessa época, é comum as
famílias se encontrarem. Mesmo irmãos que moram longe uns dos outros
viajam à casa dos pais para passar o Natal outra vez juntos. As mães e
pais têm alegria de preparar a casa para receber os filhos que nesses
dias voltam ao aconchego familiar. No âmbito da fé, a celebração do
Natal tem este mesmo espírito: preparar a casa e o coração para
acolhermos o mistério de amor (que as religiões chamam de Deus) e que se
oferece ao nosso alcance.
Neste Natal, a casa da
humanidade está pouco preparada. Uma grave crise de civilização assola o
mundo. Em todos os continentes, a pobreza e a injustiça aumentaram. Nas
casas, as pessoas enfeitam salas e armam presépios, mas Jesus continua a
dizer: “É quando vocês socorrem um pequenino que acolhem a mim” (Mt 25,
31 ss).
Na América Latina, há muitos sinais de
mudanças. Vários países aprovaram novas constituições políticas. Pela
primeira vez na história, os mais pobres estão sendo sujeitos ativos de
um processo de transformação social e política que não se limita a fi
guras importantes como o presidente da República ou tal chefe político. O
processo envolve grupos e comunidades de pessoas pobres, índios,
lavradores e gente de periferia urbana. Em vários países, dificilmente
isso teria ocorrido se não tivesse sido preparado pela participação de
cristãos nos grupos e movimentos sociais. Apesar de muitos sofrimentos e
de contradições inerentes a todo processo deste tipo, para muitos
latino-americanos, neste ano, isso significa poder celebrar um Natal
novo e renovador.
Muitos se negam a crer em
qualquer novidade e outros torcem o nariz procurando defeitos e erros
nestes processos sociais e políticos. O profeta João escreveu: “nós
somos as pessoas que acreditam no amor” (1 Jo 3). Este Natal vem como
uma interpelação para que cada pessoa se reveja e responda: “Como você
está de utopia?”
O Natal nos chama para
revigorarmos em nós a capacidade de crer, esperar e preparar a
realização do projeto divino nesse mundo. Esta é a proposta de Jesus.
Quando o evangelho nos diz “a palavra se fez carne” (Jo 1, 14), está nos
convidando a sermos cada vez mais humanos, como ele, Jesus. Carlos
Drummond de Andrade interpretava isso ao dizer que, no Natal, imaginava o
verbo outrar, que precisaria ser inventado na língua portuguesa. No
Natal, uma das músicas cantadas pelas comunidades eclesiais de base no
Centro-oeste foi composta por um lavrador do Pará. Tem como refrão:
“Dentro da noite escura, da terra dura do povo meu, nasce uma luz
radiante, no peito errante, já amanheceu”.
Por Marcelo Barros
Fonte: Brasil de Fato
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