A propaganda enganosa a favor de Belo Monte foi abundante em 2011.
Tanto na forma de artigos em jornais supostamente sérios como a Folha de
São Paulo (ver Impactos indiretos de Belo Monte serão muito maiores que os diretos)
quanto de sites governamentais com aplicativos como o do Robô Ed, que
nos tratam como bobos, com uma série de mentiras e distorções relativas a
esta obra desastrosa (Belo Monte: Entrevista com o Robô Ed).
Entretanto, neste fim de ano, pudemos comemorar que, finalmente, o
debate sobre os problemas da construção da hidrelétrica de Belo Monte
ganhou a visibilidade que merece, principalmente graças ao vídeo “É a
Gota D'Agua + 10”, com a participação de vários atores e atrizes da Rede
Globo (Belo Monte: a batalha dos vídeos).
É curioso que a entrada dos artistas no debate sobre Belo Monte tenha despertado reações tão iradas: “O
Correio me surpreende com a publicação desse artigo em defesa dos
atores da Globo. Trata-se de uma oposição politicamente ingênua e
perigosa, e a direita tem tudo a ganhar com isso. Apenas indivíduos
politicamente cegos e aqueles bem pagos pela oposição estrangeira e
nacional não enxergam isso. Cuidado com posições pseudo-esquerdistas
como a do autor deste artigo”. Escreveu um leitor do Correio, na
sessão de comentários de “A batalha dos vídeos”, que ainda classificou
minha posição como “eco-fascista”.
No começo deste ano, Arnold Schwarzenegger e James Cameron estiveram
em Altamira, sobrevoaram o Rio Xingu e conversaram com índios
preocupados com a construção de Belo Monte (Artistas contra Belo Monte).
Então, a reação foi xenofóbica, na linha do “eles deveriam cuidar dos
problemas do seu próprio país”. Pois agora que os artistas nacionais
ganham destaque no debate, são desqualificados como “eco-chatos” ou
manipulados. Cientistas já se posicionaram e posicionam-se contrários à
obra e, para estes, a tática é simplesmente ignorá-los. Opositores em
geral são taxados de contrários ao desenvolvimento do país.
De toda forma, esta visibilidade conseguida com o trabalho dos
artistas já é algo a se comemorar, pois não foi fácil conquistá-la. Há
exatamente um ano, na edição retrospectiva do Correio da Cidadania de
2010 (Belo Monte e as eleições presidenciais),
eu lamentava que a discussão sobre a construção da hidrelétrica de Belo
Monte não tivesse se desenvolvido como eu esperava ao longo daquele
ano, a ponto de afetar as eleições presidenciais. A então candidata
Dilma escondeu o seu grande e polêmico projeto, o candidato José Serra
não fez questão de atacá-lo de frente, as discussões programáticas dos
dois candidatos se perderam em uma série de pequenos debates, que hoje,
em retrospectiva, eram evidentemente menores que a grande questão do
futuro da Amazônia. Com a vitória do PT, financiado pelas empreiteiras
interessadas na construção da barragem, a única previsão certa para o
Xingu em 2011 era que este seria um ano difícil por aqui, “um dos mais
duros dos últimos tempos”. Ah, sim, aquele mesmo leitor do Correio,
citado mais acima também escreveu: “Àqueles que se opõem à
construção da Usina de Belo Monte, sugiro que se mudem pra lá e vivam a
tal existência sustentável que defendem para os outros enquanto usufruem
de todos os confortos da vida moderna nas cidades eletrificadas”. Pois é, eu moro em Altamira.
Infelizmente, a previsão de um ano difícil para os moradores dessa
região não poderia ter sido mais acertada. Com a concessão da licença de
instalação da barragem, no primeiro semestre deste ano, e o início da
construção do canteiro de obras, o caos instalou-se em Altamira. Caos na
saúde, onde os serviços já eram precários e agora estão inviáveis, pois
ainda não foi construído um único novo leito hospitalar sequer, e as
ocorrências médicas estão se multiplicando com o repentino aumento da
população. As filas dos bancos se tornaram quilométricas, pois, apesar
de todo o movimento, ainda temos apenas uma agência do Banco do Brasil,
uma agência dos Correios etc. Os preços dos aluguéis dispararam (300% de
aumento). O preço do tomate na feira disparou. A inflação acumulada do
ano na cidade certamente foi muito além daquela de 5% do país. Ninguém
se deu ao trabalho de calcular quanto foi, mas certamente foi típica de
um país em crise hiper-inflacionária. O número de pedintes na rua
aumentou, por causa das pessoas que vieram para a cidade atrás de um
emprego na construção da barragem e não conseguiram nada.
Caos no trânsito, outrora tranqüilo, e agora engarrafado por centenas
de ônibus e caminhões da obra. No começo do ano mal se viam ônibus na
cidade. Agora se formam filas intermináveis de ônibus e vans nas ruas,
como só se vê em grandes centros como o Rio de Janeiro. Mas nos
letreiros dos ônibus, ao invés dos bairros de destino (Botafogo,
Copacabana, Leblon), aqui se lê “Sítio Belo Monte”, “Sítio Pimental”,
“Canais” – as diferentes frentes de trabalho, ou, devo dizer, de ataque
ao rio, das obras de Belo Monte. E, ironicamente, continuamos sem ônibus
para circular pela cidade. Em todas as ruas de Altamira, de madrugada,
antes que os transeuntes regulares saiam de casa, vê-se um imenso
exército de pessoas com um uniforme robótico luminescente e o símbolo do
CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte). Esses mesmos que foram
recentemente surpreendidos com a notícia de que não poderiam passar as
festas em casa, pois não haverá recesso de Natal e Ano Novo. E que,
quando fazem greve, são demitidos e escoltados pela polícia até a
rodoviária, de onde são despachados para seus respectivos estados.
Foram muitos os desmatamentos em 2011. O Governo Federal comemora que
tenha “estabilizado” os desmatamentos na Amazônia em níveis semelhantes
àqueles observados na década de 1980. Porém, esquece-se que aqueles já
eram níveis astronômicos, pois na época estavam sendo abertas imensas
áreas de fazendas no norte do Mato Grosso, Sul do Pará, em Rondônia.
Enfim, estava se formando o chamado “arco-do-desmatamento” da Amazônia.
Hoje, estes desmatamentos migraram em grande medida para áreas centrais
e remotas da floresta, atacando-a em seu coração, através de obras como
esta da hidrelétrica de Belo Monte. Em Altamira, os desmatamentos são
visíveis em toda parte, em todas as escalas, dos remanescentes
florestais ainda preservados na beira do rio (As primeiras vítimas de Belo Monte),
às ruas da cidade, pois os jardins das casas são os primeiros
devastados nas reformas feitas para receber os engenheiros da barragem.
Uma das coisas que mais me preocuparam em Altamira este ano foi a
severidade e a extensão de sua estação seca, que começou em junho e se
estende praticamente sem chuvas até agora nas proximidades do Natal
(quando o Brasil quase todo já sente os efeitos das tempestades). Aqui
foram sete meses de seca este ano. O que, ecologicamente, é uma novidade
nessa região, pois temos uma floresta perenifólia, em que a grande
maioria das árvores não perde as folhas durante a estação seca. Estas
florestas são típicas de áreas com no máximo três a quatro meses de
estiagem, exatamente como acontecia por aqui na década de 1970 quando da
abertura da Transamazônica. Um colono antigo, assustado com a seca
atual, me contou que, há cerca de 30 anos, quem não tivesse queimado a
sua roça até novembro, não queimava mais porque as chuvas não permitiam.
Agora, já no finzinho do ano, ainda está tudo seco, estalando, pronto
para queimar. É bom para os fazendeiros que querem fazer avançar os
desmatamentos, e para os barrageiros que também podem avançar com suas
máquinas além do cronograma previsto neste projeto de morte. Mas como
reagirá o que sobrar da floresta, mesmo nas áreas mais protegidas, a
esta nova situação climática? É possível que tudo se degrade rapidamente
virando sertão, pasto degradado e deserto. Com a construção da barragem
e a proliferação dos desmatamentos na região, as mudanças climáticas
locais tendem a crescer.
Apesar da visibilidade recente que conquistamos, segundo um artigo na
Folha de São Paulo, assinado pelo jornalista (e “barrageiro”) Agnaldo
Brito, “a discussão sobre o empreendimento neste momento pode influenciar pouco o arranjo do projeto negociado com o Ibama e o governo”. Pois “a usina, leiloada em abril de 2010, terá de começar a gerar energia em fevereiro de 2015”.
Bobagem. Desde sempre, mesmo no período das audiências públicas
forjadas, aquele jornal tratou a obra como inevitável. Assim como sempre
fizeram todos os barrageiros, disfarçados ou assumidos. Esta usina não
estará pronta em 2015, esse cronograma é um blefe, e sempre poderemos
lutar pela paralisação das obras ou mesmo a destruição da barragem, se
um dia ela ficar pronta. Várias barragens norte-americanas estão sendo
desmontadas, como a represa Milltown. Ícone do progresso industrial
americano que se tornou símbolo da destruição no Rio Clark Fork, o maior
em volume de água do estado de Montana, que drena boa parte das
montanhas Rochosas. Com a remoção da barragem, esperam-se a
descontaminação do ambiente, a recuperação dos peixes e ganhos com o
turismo.
Se há um ano eu lamentava que a discussão sobre a hidrelétrica de
Belo Monte não tinha o destaque que merecia, hoje faço o mesmo com
relação aos escândalos de corrupção da obra. O ano de 2011 foi marcado
politicamente pela queda de vários ministros envolvidos em “malfeitos”.
Mas quase não se falou da corrupção associada ao setor elétrico, onde se
armam os maiores golpes da atualidade (Belo Monte e as cobras).
Para 2012, espero que eles apareçam cada vez mais, e que a oposição
perceba o potencial de se atacar esse governo através dos escândalos de
Belo Monte, que não são poucos. Até agora foi feita apenas a instalação
do canteiro de obras, e consequentemente do caos em Altamira. O ataque
ao rio propriamente dito mal começou. Ainda é possível parar esta obra.
Por Rodolfo Salm Fonte: Correio da Cidadania |
sábado, 24 de dezembro de 2011
Belo Monte em 2011: a instalação do caos
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