Certos
setores de mídia desta próspera e pitoresca Bruzundanga já não sabem
mais o que fazer diante da crescente onda de protestos que se espraia
nos EUA e na Europa contra o capital financeiro e o moribundo credo
neoliberal. Os locutores de telejornais da poderosa Vênus Platinada e os
articulistas da Veja, em particular, realizam verdadeiros malabarismos
semânticos e ideológicos a fim de fazer-nos crer que o movimento dos
“indignados”, iniciado na Espanha há cerca de seis meses, é uma espécie
de boi sem nome, que nada tem a ver com a crise aguda do capitalismo
globalizado no limiar do século 21.
Haja
acrobacia! Só no último dia 15/10, centenas de milhares de manifestantes
se reuniram em mais de 950 cidades de 82 países para expressar sua
legítima indignação contra as terríveis mazelas que essa crise tem
legado aos povos, em especial os jovens, que padecem com as elevadas
taxas de desemprego (acima de 20% na Espanha, por exemplo) e os cortes
estratosféricos nos programas sociais (receituário que os governos da
Grécia e Itália prometem cumprir à risca). E as mobilizações não param
por aí: se até Tio Sam começa a inquietar-se com os indignados do Ocupe
Wall Street, nas ruas e praças de Nova Iorque, as greves gerais dos
trabalhadores europeus indiciam uma radicalização ainda maior da
resistência popular no Velho Mundo, cujos governantes são meros
fantoches da banca internacional.
O temor, mais
do que óbvio, é que, depois de devidamente identificada a raiz do mal,
as turbas organizadas passem a exigir “mudanças revolucionárias dentro
do sistema ou de um outro sistema”, como declarou um militante do Ocupe
Washington entrevistado por um jornal brasileiro. Não por acaso, alguns
quadros da intelligentsia tupiniquim, como o economista Bresser-Pereira
(ex-ministro de Sarney e FHC), reconhecem que “os 30 anos neoliberais do
capitalismo (1979-2008) foram realmente um imenso retrocesso social e
político”, cujos males que provocaram ainda estão longe de se esgotar. E
não hesitam em admitir que os responsáveis por essa catástrofe são as
elites, as quais teriam ‘permitido’ que apenas 2% da população
auferissem as riquezas geradas pelos “30 anos dourados do capitalismo”
(1949-1978).
É claro que há matizes sutis nesse
processo, já abordados por cientistas como o sociólogo Michael Burawoy,
que identifica nos atuais movimentos sociais um refl exo da “era da
exclusão” gerada pela terceira onda de mercantilização do planeta (a
primeira se deu no séc. 19 e a segunda em meados do séc. 20). Para ele, a
crise do capitalismo financeiro não o destruirá, pois este tende a
tornar-se mais forte fora do controle dos Estados – e só sucumbiria após
exaurir as condições de sua própria existência. Assim, estudantes e
jovens desempregados ocupam a cena pública, indignados com seu estado de
precariedade e com o fato de sequer terem acesso a uma posição estável
de exploração.
“As pessoas vão para as ruas
porque acreditam que a ação de massas pode levar a alguma coisa”,
arremata o senegalês Gilbert Achcar. O neoliberalismo solapou as
proteções e ganhos sociais, e isso não só fomentou a indignação
europeia, como também estimulou a chamada “Primavera Árabe”, que indicia
uma perda progressiva de influência do Tio Sam no Oriente Médio. Nem o
sorriso do bom-mulato Obama logrará impor-se em temas áridos como a
questão palestina – que o diga a renitente oposição de Netanyahu à
criação de um Estado soberano na região controlada por Israel.
Cá
na República, porém, as cousas recebem nomes muito vagos e difusos.
Cartazes e outdoors espalhados pelas ruas nos informam que a grande
inimiga é a corrupção, a qual deverá ser varrida com vassouras
novíssimas, de um verde exuberante, que vemos fincadas nas tórridas
areias de Ipanema e nas calçadas da Avenida Paulista. Um mal quase
abstrato, genérico, ou seja, bois anônimos e sem donos, que vivem em
pastos nebulosos e alheios – e onde, a julgar pela descrição da mídia,
não existem banqueiros a especular com os fundos públicos, nem
fazendeiros a grilar terras de pequenos lavradores, muito menos
empreiteiras a engordar com as pródigas licitações ‘oficiais’. Cuidado,
boi Fubá! Arreda, vaca Estrela! O cronista suíno avisa: em terras de
Bruzundanga, só mandam prender os bois magros – o resto nunca dá bode...
Por Luiz Ricardo Leitão
Fonte: Brasil de fato
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