“... a história nos
engana/ Diz tudo pelo contrário / Até diz que abolição/Aconteceu no mês
de maio/A prova dessa mentira/É que da miséria não saio/ Viva vinte de
novembro/ Momento pra se lembrar/ Eu não vejo no treze de maio/ Nada pra
comemorar ...”
(domínio público)
A história do Brasil se caracterizou pela conformação
da violência colonial europeia que, além de branca, era masculina na
sua construção de poder.
Para isto, foi
instituindo com força vil e adestramento cultural uma forma de ser para o
negro e para o índio, a partir daquilo que o dono dos sujeitos
definiria como civilização e trabalho.
Essa
história, marcada a fogo e a ferro pelo racismo, se apresentou como
única, como a história dos vencedores sobre os vencidos, e relegou os
negros e os índios a um papel subordinado, ocultando sua função
produtora de vida para outros.
O Brasil colonial
aparece, em sua essência, como uma fase que oculta os reais processos de
opressão e exploração utilizados pelos donos do poder para calar – na
chibata e no tronco – os que se rebelavam contra a ordem dominante.
Essa
capacidade de transformar o aparente no real trouxe para nossa história
uma perversa essência de consolidação de estereótipos.
Estes
estereótipos, para a ordem dominante do progresso, consolidaram um
poderoso antagonismo sobre quem eram/são os civilizados/bárbaros,
cultos/ignorantes, belos/feios, homens e mulheres ao longo da história.
A
construção desse imaginário coletivo conformou uma lógica de não poder
ser para uma parte expressiva de nossa classe trabalhadora negra e
índia. Seja na condição de escravos ou na atual relação aparente de
trabalhadores livres, reforçada pela democracia restrita.
Instaurou-se uma liberdade condicionada para a sociedade como um todo, sobre ser e sentir-se menos, como índios e negros.
O
suposto fim do período colonial já havia assentado a centralidade das
bases de consolidação da ética-moral sobre o ser menos, como mecanismo
vital de dominação de uma classe sobre a outra.
A
pele, os corpos, as culturas dos negros e índios, já haviam entrado
para a história a partir da forma e do conteúdo dominantes, de exercer e
manter o poder, eliminando objetiva e subjetivamente o real poder/dever
ser desta parte integrante de nossa classe.
Na
aparente consolidação democrática do Brasil republicano, igualitário e
libertário, se consolidou a histórica essência dos valores éticos-morais
da desigualdade, manifesta na inserção subordinada desde um ser menos
para índios e negros.
Sob a aparente sociedade
democrática se funda, além da desigual conformação de classes, uma
relação ainda mais perversa de classificação sócio-cultural pelo gênero,
pela raça-etnia e geracional.
Ser trabalhador e
negro no Brasil significa que além da exploração produtora de valor para
outros, a opressão real se manifestará pela histórica caracterização da
produção do ser menos, quando em essência é ser mais.
Os
mesmos postos de trabalho, ocupados por trabalhadores com cores de pele
diferentes, conformarão um grau ainda mais perverso de exploração e
opressão no interior da nossa classe.
A classe que vive do trabalho está subordinada pelo poder econômico e político da classe que vive da exploração do trabalho.
No
Brasil, entre os explorados, ser mulher, ser negra e ser pobre,
condiciona uma lógica de poder que intensificará os perversos conteúdos
de exploração do capital sobre o trabalho no nosso território: a
superexploração.
A liberdade desfigurada e a
exploração manipulada geram uma herança maldita, que não será aniquilada
ao menos que consigamos romper com a forma-conteúdo de produzir
mercadorias classificando o humano como objeto da relação, da vida que
ele produz.
O poder popular requer a restauração
do ser mais da classe que vive do trabalho, rompendo com a estrutura de
produção de vida em que o ser menos foi instituído como forma de
adestramento necessária à manutenção da ordem e do progresso burgueses.
Segundo
o último censo do IBGE-2010, a população brasileira é de mais de 190
milhões (190.755.799). Deste total, 43,1% se declarou preta (82.215.750)
e 7,6% parda (14.497.441). Somados, chegamos a quase 97 milhões de
brasileiros.
Oxalá que a história escrita e
protagonizada por nós, a partir da luta organizada enquanto classe
trabalhadora, nos permita recuperar na memória, nossa real história de
ser mais, a partir da construção de um projeto nacional, democrático e
popular, que ponha fim ao domínio do capital sobre nosso trabalho.
Por Roberta Traspadini
Fonte: Brasil de Fato
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