A
presidenta Dilma Rousseff elegeu o combate à miséria como prioridade de
seu governo. A relevância do tema provoca expectativa, em especial por
conta da óbvia compreensão de que o combate à miséria requer algo mais
do que políticas compensatórias superficiais, marca das ações
governamentais nos últimos anos.
A superação da
pobreza depende, fundamentalmente, do rompimento com os interesses do
grande capital, no Brasil representado por uma elite racista e
preconceituosa, formada por latifundiários e empresários do agronegócio,
por banqueiros, especuladores financeiros, grandes meios de comunicação
e empresas transnacionais de diversas áreas. Daí porque somente uma
mudança estrutural nas relações políticas, sociais, raciais e econômicas
seria capaz de combater efetivamente as desigualdades.
Pobreza e analfabetismo
Não
podemos permitir ou compactuar com corte de recursos ou investimentos
públicos nas áreas sociais. Ao contrário, devemos exigir uma ampliação
desses investimentos, sempre considerando o peso da variável “raça” na
estruturação das desigualdades sociais no Brasil. Para isso, basta
analisar os dados do Censo 2010 do IBGE, segundo o qual aproximadamente
16,2 milhões de brasileiros vivem em condições de extrema pobreza.
Desses, mais de 70% são negras e negros.
Já a
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) divulgada no final
de 2010 apontou que o Brasil possui 14 milhões de analfabetos. E mais
uma vez, percebe-se a população negra entre os mais preteridos no acesso
ao direito à educação.
Aqueles que conseguem
superar o analfabetismo encontram inúmeros desafios para completar o
ensino médio, ter acesso a cursos técnicos e, principalmente, às
universidades. Mesmo com o ProUni e o Enem enquanto via de acesso, as
camadas mais empobrecidas têm ficado às margens das oportunidades visto o
déficit na preparação prévia adequada e a própria limitação dos
programas. São os cursinhos comunitários em todo Brasil que ocupam as
lacunas deixadas pelo abandono do Estado. No caso da UNEafro-Brasil,
mais de 2 mil jovens oriundos de escolas públicas se organizam em 42
núcleos, aliando estudo e luta em favor da educação pública. Será
possível uma política efetiva de combate à miséria sem que haja ações
dirigidas à população negra?
Lei 10.639/03 e o PNE
O
racismo é constitutivo do capitalismo brasileiro. É uma ideologia de
dominação sem a qual a elite brasileira não se manteria. Esse quadro
explica, em parte, o fato de a Lei 10639/03 (alterada pela lei
11645/08), apesar de sua histórica e festejada aprovação, não ter saído
do papel. Afinal, sua intenção é justamente contribuir para a superação
dos preconceitos e atitudes discriminatórias por meio de práticas
pedagógicas que incluam o estudo da influência africana e indígena na
cultura nacional.
É necessário trabalhar para que
o Plano Nacional de Educação (PNE), que volta a ser debatido, contemple
a necessidade de radicalizar na efetivação das leis 10639/03 e
11645/08. E mais que isso. Em tempos de reivindicação pelo aumento dos
investimentos em educação para a ordem de 10% do PIB, a UNEafro-Brasil
propõe uma bandeira paralela tão importante quanto: a obrigatoriedade da
destinação de, no mínimo, 10% dos recursos da educação de municípios,
estados e federação para a aplicação das Leis 10639/03 e 11645/08. É
preciso também regulamentar punições severas aos gestores públicos que
as descumprirem.
A educação, num sentido
ampliado, é tudo o que rodeia e forma o indivíduo, seja na escola
formal, no ambiente familiar, nos diversos espaços de sociabilidade. E
hoje, mais que nunca, também através dos meios de comunicação, em
especial a televisão, a produção cultural (sobretudo na música) e as
redes sociais da internet. Essa realidade nos coloca o desafio de pensar
numa radical reformulação da educação brasileira, não apenas no que diz
respeito aos recursos, mas ao modelo educacional, aos valores e aos
métodos.
No Brasil, os afro-brasileiros
representam 51% da população (IPEA). Diante dessa realidade, é sempre
bom lembrar as palavras do mestre Kabengele Munanga: “Para qualquer
pessoa se afirmar como ser humano ela tem de conhecer um pouco da sua
identidade, das suas origens, da sua história”.
10% do PIB para educação
Não
é possível imaginar um desenvolvimento sustentável e socialmente justo
em uma sociedade que não prioriza a educação, não valoriza professores e
não democratiza o acesso. Sobretudo, é necessário dar uma basta ao
modelo neoliberal de educação que, infelizmente caminha a passos largos
em nosso país. Exigimos 10% do PIB para o investimento em uma educação
de qualidade, gratuita, popular, laica, antirracista, antimachista e
antihomofóbica.
Por Douglas Belchior
Fonte: Brasil de Fati
Nenhum comentário:
Postar um comentário