Os estudantes detidos no início da manhã desta
terça-feira (8) no prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP)
afirmam haver passado o dia fechados em ônibus no estacionamento do 91º
Distrito Policial, na zona oeste da capital paulista. Às 18h30, mais de
12 horas após a ação policial, eles ainda não tinham informações sobre a
hora em que seriam liberados após prestarem depoimento e se submeterem a
exame de corpo de delito.
Entidades sindicais coletaram verbas para arcar com a fiança dos 73
alunos, fixada em R$ 545 cada um. À noite, várias unidades realizavam
assembleias para definir como será organizada a reação à atitude da
Polícia Militar, que entrou no campus no fim da madrugada para cumprir a
ordem de desocupação emitida pela juíza Ana Paula Sampaio de Queiroz.
Os estudantes divergem da versão emitida pela Tropa de Choque sobre a
ação. “Tinha uma comissão de segurança nossa. Essa comissão avisou, mas
aí a polícia já tinha entrado por todos os lados. A gente não
resistiu”, conta um estudante do curso de Letras. “Isso revela ainda
mais a agressividade deles.”
Os alunos detidos emitiram um comunicado no qual informam que as 24
meninas que participavam da ocupação da Reitoria da USP foram levadas a
uma sala na qual ficaram sozinhas com policiais masculinos armados.
“Levaram uma das estudantes para a sala ao lado, que gritou durante
trinta minutos, levando-nos ao desespero ao ouvir gritos como o das
torturas que ainda seguem impunes em nosso país. Tudo isso demonstra o
verdadeiro caráter e o papel do convênio entre a USP e a polícia
militar”, acrescenta a nota.
A ocupação teve início como protesto pelo convênio firmado em
setembro entre o atual reitor, João Grandino Rodas, e a Polícia Militar,
que antes só atuava no campus se chamada pela direção universitária.
Nos últimos meses, queixam-se os estudantes, foram realizados vários
“enquadros” por motivo banal ou por desconfiança dos policiais. Há menos
de um mês, três rapazes foram detidos pelos policiais quando fumavam um
cigarro de maconha, o que desencadeou manifestações que passaram a ser
reprimidas com o uso de gás lacrimogêneo e bombas ditas de efeito moral e
que, por fim, levaram à ocupação. “O ambiente universitário não é um
território livre e não deve ser espaço para alunos fazerem uso de
maconha, mas a abordagem para problemas dessa natureza está longe de ser
a adequada”, defendeu o professor Vladimir Safatle, do curso de
filosofia, em artigo publicado na página do Diretório Central dos
Estudantes (DCE). “Mais uma vez, a PM demonstra sua total inaptidão para
mediar conflitos sociais e manifestações estudantis.”
O jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, colunista da revista Carta Capital e da página Terra Magazine,
tem a mesma visão. Em texto, ele indica a existência de uma “matriz
fascista” na política de segurança do governo de São Paulo e que convém,
em um “mundo civilizado”, deixar a polícia fora dos campi
universitários. “O policial que manda ou sai para reprimir usuários de
maconha, por evidente, não tem noção mínima de prioridades e do que seja
garantir a tranquilidade social.
Indiciamento
O governador Geraldo Alckmin criticou a atitude dos alunos. “Os
estudantes precisam ter aula de democracia, precisam ter aula de
respeito ao dinheiro público, respeito ao patrimônio público. Não é
possível depredar instituições que foram construídas com o dinheiro da
população que paga impostos. Eles precisam ter aula de respeito a ordem
judicial”, afirmou.
Os alunos fazem questão de negar que tenham depredado as instalações
da Reitoria. Após o cumprimento da ordem de desocupação, cinegrafistas
de algumas emissoras de televisão foram chamados para fazer imagens do
prédio, e registraram aquilo que, na versão policial, seria a destruição
de máquinas e equipamentos promovida pelos jovens.
“Com certeza o ambiente em que fomos abordados não foi o ambiente que
deixamos”, argumenta um rapaz detido. “Durante as revistas e tudo o que
estava acontecendo, ouvimos por diversas vezes barulho de quebradeira.
Agora vieram dizer que tem um monte de coisa danificada. Objetos que
colocamos em salas separadas sumiram.”
“Um retrocesso histórico toda essa força bruta na universidade”,
queixou-se, pelo Facebook, o jovem de perfil PaulinhoIn Fluxusz, também
detido. “Impressionante ver a PM apresentando falsos coquetéis molotov
ao lado do meu cachecol”.
Os estudantes atribuem ao reitor a desocupação feita de maneira
violenta. Antes do cumprimento da ordem de desocupação, Rodas foi
consultado sobre a possibilidade de promover uma nova negociação na
quarta-feira (9), e a juíza responsável pelo caso teria deixado a ele a
definição sobre esta questão: caso atendesse ao novo chamado por
diálogo, a entrada da Tropa de Choque no local seria cancelada - ou
postergada.
Rodas, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
chegou ao cargo máximo da USP em escolha indireta, como todos os
antecessores. À diferença dos antecessores, porém, foi o terceiro mais
votado na lista tríplice escolhida majoritariamente pelos docentes de
alta hierarquia. A decisão do então governador José Serra contrariou uma
convenção estabelecida pouco após o fim da ditadura como forma de
preservar, ainda que parcialmente, a autonomia universitária.
Em sua gestão, tomou outras atitudes polêmicas, como a transformação
física da Cidade Universitária, a suspensão e a demissão de funcionários
sem justa causa, o incentivo aos cursos pagos dentro da universidade e a
colocação de uma placa na qual sinalizava a construção de um monumento
em homenagem a vítimas da “Revolução” de 1964, também conhecida como
ditadura. Ao firmar o convênio com a polícia, o reitor afirmou que
“muita gente” se aproveitava da ausência da corporação para cometer
“atividade criminosa”. “Pode reivindicar a saída da PM do campus para
poder praticar crimes. Pela legislação, repito, maconha é crime”, disse.
O aluno que conversou com a reportagem sob condição de anonimato
recusa as leituras do reitor de que os integrantes da USP acreditam se
tratar de uma comunidade que deve ficar livre da Polícia Militar. “A
polícia poderia ser aceitável se não coagisse, se não fosse criada a
partir da ditadura. Há diversas formas de combater a violência que não
seja vigiar o infrator e puni-lo de forma violenta.”
Safatle concorda que há caminhos “mais inteligentes” de se resolver
problemas cotidianos do ambiente escolar. “A PM se justifica se for o
caso de coibir crimes como o assassinato de um estudante, há alguns
meses. Mas ela não está lá para correr atrás de aluno com cigarro de
maconha ou para mostrar aos estudantes que a corporação não aceita
provocações.”
Por: João Peres
Fonte: Rede Brasil Atual
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