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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Divisão. E o dia seguinte?

Com seu atual Estado ou dividido por mais dois, o Pará não sairá melhor do plebiscito do dia 11, qualquer que venha a ser o resultado da votação. Mas sairá dividido e suas partes deverão aumentar a rivalidade e o antagonismo. Esse resultado exigirá o que continua a faltar ao Estado: capacidade para tirar proveito das suas riquezas.
O eleitor paraense votará no dia 11 mais por impulso emocional ou político do que por razões técnicas. Como se temia, o debate sobre o tema da redivisão do Estado, de curta duração, extrapolou rapidamente da análise dos argumentos para uma polarização tipicamente eleitoral, passional e agressiva. Seria a confirmação de que, por trás da questão de criar ou não os Estados de Tapajós e Carajás onde está hoje apenas o Pará, há fortes interesses políticos e empresariais.
Se o eleitor irá se sentar diante da urna eletrônica sem uma convicção capaz de tranquilizar sua consciência sobre o acerto da grave decisão que irá tomar, como se levantará o eleitor médio depois de ter votado? Se chegar à conclusão de que errou, não poderá mais corrigir o erro na eleição seguinte, como faria se estivesse elegendo uma pessoa para ocupar cargo público sujeito à escolha do povo.
O que fará no dia 11 será decidir sobre o tamanho de um Estado: se continuará o mesmo que é há quase 70 anos (desde 1943) ou se o reduzirá para 17% do que é atualmente. É uma experiência absolutamente nova na vida pública brasileira: o cidadão ser convocado para uma eleição da qual poderá resultar a constituição de duas novas unidades federativas.
Os processos anteriores foram impostos de cima para baixo, sendo o mais traumático o que foi desdobrado da transferência da capital federal para Brasília. O Rio de Janeiro levou vários anos tateando em busca de uma nova ordem territorial adequada, o que certamente influiu de forma decisiva sobre o esvaziamento da antiga Belacap e, no vácuo de função, favorecer o crescimento de organizações criminosas responsáveis, ao menos em parte, por uma autêntica guerra civil não declarada.
Na Amazônia, à exceção de Rondônia, a elevação à condição de Estados dos territórios federais criados em 1943 foi um ato artificial, pelo qual até hoje o tesouro nacional paga a sua cota e a população local o ônus dessa centralização, submetida a oligarquias familiares (os Jucá e os Pinto de Souza em Roraima, Sarney e os Capiberibe no Amapá), numa reedição e adaptação da partilha dos antigos territórios entre as três forças armadas.
Não serve de bom parâmetro a comparação do que acontece no Pará ao que se consumou em Mato Grosso e Goiás. Os dois Estados espontaneamente cederam parte dos seus territórios, certos de que era a melhor solução para todas as partes, por admitirem não poder administrá-los (ou porque a extensão emancipada servia-lhes de contrapeso). O Pará está profundamente dividido neste momento por falta desse consenso.
Pode ser que os habitantes do Estado remanescente estejam equivocados ao imaginar que a perda de 83% do seu território lhes comprometerá de vez o futuro, por ser uma perda enorme e irreparável. Pode ser que a perda se transforme em libertação, como argumentam os separatistas, já na condição agressiva de militantes da secessão no Pará. Mas eles podem estar iludindo não só os paraenses, agora seus oponentes, como também os próprios companheiros de causa, apontando-lhes a criação dos dois novos Estados como a tábua da salvação.
Pode ser que no dia seguinte, qualquer que venha a ser o resultado do plebiscito, tudo tenha mudado para nada mudar, a não ser pela incorporação do ânimo bélico da campanha, que poderá se tornar perene, transformando diferenças em incompatibilidades. A questão espacial é relevante num Estado com as dimensões do Pará, mas ela não tem a capacidade de mudar nada por si mesma. É como a tecnologia: pode servir ao bem tanto quanto ao mal. Depende de quem a usa e com qual propósito.
Depois de anos de luta de um grupamento de paraenses para conseguir a aprovação do Congresso para o plebiscito, é de surpreender que os autores dos projetos de criação dos Estados de Carajás sejam de outros Estados. Já não é de surpreender que esses projetos, livres da sua vinculação à história do Pará, tenham se hipertrofiado e distorcido tanto que deixaram ao Estado remanescente um território desproporcionalmente inferior ao dos dois Estados, que eram seus; ou que o Tapajós tenha anexado o Xingu, algo antes nunca sequer imaginado (não da perspectiva sociocultural, deixada de lado por quem tem todos os olhos fixados no projeto da usina de Belo Monte); ou, como Carajás, engolido mais municípios e ido mais ao norte para incorporar a hidrelétrica de Tucuruí, por uma diretriz oportunista que desdenhou os fundamentos técnicos da identidade cultural e geográfica.
Com a capital na cidade de Santarém, o habitante do Estado do Tapajós poderá ser mais bem assistido pelo seu governo do que tem sido pelo de Belém. Tudo muda de figura, porém, se o novo governador for do mesmo padrão do anterior. Pelas lideranças ativas na região, a expectativa é de que os homens terão o mesmo figurino. Talvez um segundo governante do novo Estado tenha potencial melhor.
Entretanto, até lá o poder público terá que fazer investimento em torno de um bilhão de reais para se instalar, com todos os seus órgãos vitais e seus inúmeros penduricalhos ociosos ou inúteis, como os da atual capital. Sem receita própria suficiente para suportar esse custo e sem que a União possa supri-lo à altura, o novo Estado terá que se endividar, primeiro passo para seguir o roteiro de vícios que engendrou a ânsia pela autonomia decisória.
O percurso que Carajás seguirá no caso de vitória no plebiscito não irá diferir substancialmente do de Santarém. O melhor desempenho será uma questão apenas de grau, embora as vantagens de dispor de maior receita e mais recursos seja mais do que contrabalançada pela gravidade dos problemas que irá enfrentar (e irá gerar, sem maior controle).
As três campanhas se digladiaram por dias em torno de uma questão de transcendental importância para o eleitor: saber se a divisão empobrecerá mais ou enriquecerá mais cada um dos três Estados. O Supremo Tribunal Federal já definiu como inconstitucional a atual forma de compensação dos Estados adotada desde 1989 pela União, pelo não recolhimento da parte que lhes cabe no Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados.
Esse fundo, que alcançou 39 bilhões de reais no ano passado (1,9% do PIB nacional), é partilhado conforme a população e a renda per capita. Como o seu propósito é combater os desníveis regionais, São Paulo, o Estado mais rico da federação, só recebe 1% do total, por dispor de receita própria suficiente para dar conta das suas despesas, sem precisar do governo federal. Logo, não é por causa do FPE que as lideranças paulistas combatem a criação de novos Estados: é pela perda de poder político, de capacidade decisória.
Até o final de 2012 deverão ser criados novos critérios para a gestão do FPE, mas de uma realidade o fundo não poderá escapar, quaisquer que venham a ser os critérios de partilha: o bolo de recursos não crescerá com a criação de novos Estados; o que haverá será a redistribuição do mesmo dinheiro por mais Estados. Por isso, cada um receberá menos para que Carajás e Tapajós, por exemplo, tenham a sua parte. Logo, o Pará perderá receita, como perderão todos os demais.
Essa perda conjunta levou o jurista Dalmo de Abreu Dallari a argüir junto ao STF que a "população diretamente interessada”, referida pela constituição, tinha que ser toda a população brasileira. No primeiro pronunciamento foi afastada a hipótese dos separatistas de que só os moradores das áreas a serem emancipadas deviam votar. Também foi eliminado o entendimento do advogado paulista. A redivisão do bolo por mais participantes não altera o total para mais ou para menos. A eventual perda individual de receita faz parte do esquema federativo em que a nação foi organizada. O absurdo seria se a população do Pará aprovasse o desmembramento, enquanto o restante dos brasileiros o negasse. Seria a quebra da autonomia federativa das unidades políticas do país.
Como a previsão de receita do Tapajós é modesta, o possível Estado ficará extremamente dependente das transferências compulsórias da União. Não sendo elas suficientes, terá que recorrer a operações de crédito. O risco da insolvência não está de todo afastado do horizonte de Carajás. Por ser um Estado francamente minerador, o recolhimento de ICMS continuará a ser insignificante. Já 65% das compensações financeiras (os royalties) se destinarão aos municípios produtores, agravando o desequilíbrio que já existe entre eles (sem falar na ausência de critérios na aplicação do dinheiro da compensação).
Uma série de graves problemas revela que a criação de novas unidades administrativas num espaço federativo de grandes dimensões não será a solução que se aponta se não houver uma mudança profunda na gestão do espaço, independentemente de ele ser extenso ou curto. Logo se poderá constatar que os bilhões de reais demandados por atividade-meio nova significará um desperdício de dinheiro precioso de sua aplicação em atividade-fim. Tapajós e Carajás seriam mais bem servidos com esses investimentos do que se tornando Estados.
Mas como conseguir que os recursos finalmente cheguem a pontos extremos (ou nem tanto assim: áreas da capital continuam tão abandonadas quanto Castelo dos Sonhos, a quase 1.500 quilômetros de distância) se falta legitimidade à elite dominante em Belém, se os líderes e habitantes interioranos não acreditam nela?
Do meu ponto de vista, a resposta a essas questões cruciais depende de uma mudança ainda mais profunda no modelo de desenvolvimento da Amazônia do que a partilha territorial. Acho que os "grandes projetos”, além de serem bombas de sucção de riquezas, mesmo que por efeito residual da grandeza de sua atividade, engendram distorções locais graves.
Ao lado do município minerador, que tem receita substantiva, há municípios pobres, aos quais não chegam os farelos das compensações financeiras pela extração e exaustão do recurso natural. Já os desajustes e desequilíbrios provocados pelo inchaço do município produtor extrapolam os benefícios e a capacidade de gestão do poder público local. O que vai além-mar é o filé. O que fica são as sobras do banquete.
Não há forma de mudar essas contradições e paradoxos? Acho que há: mudando o eixo do processo. Ao invés de novos Estados, unidade federativa de outro tipo: a região administrativa. Essa região corresponderia à área da bacia hidrográfica dentro do território estadual. Os limites seguiriam as drenagens do rio principal. Definida a área, o Estado e a União financiaram os estudos e levantamentos sobre o uso do solo e as características do seu aproveitamento.
Uma lei conteria as diretrizes do plano de desenvolvimento do vale, votada na Assembléia Legislativa e no Congresso Nacional, com vigência de 20 ou 30 anos. Uma agência seria criada para executar a lei, formada por representantes do poder público, da sociedade e das universidades públicas. Sua estrutura seria singela, do tipo do grupo executivo, com pessoal de excelência, seguindo carreira, admitido por concurso. A agência seria acompanhada por um conselho deliberativo, com representantes dos três poderes e da sociedade, em forma paritária.
O fundo receberia parte das compensações financeiras, do imposto gerado no local e das aplicações do Estado e da União, criando também suas próprias fontes de renda. Nada nem parecido com a estrutura de um novo Estado nem assemelhado às engrenagens viciadas da maioria das administrações públicas. Tudo por mérito e em busca da excelência. Prioridade total à atividade-fim.
Sonho e utopia? Sim, mas não fantasia: recolocaria o eixo da ação na região na sua história, cultura e natureza. Mesmo porque, numa época de descrença nos políticos e administradores públicos, criar novos nichos para eles é tapar os ouvidos para o ensurdecedor barulho das ruas. Barulho que continuará intenso no dia do plebiscito. E depois.

Por Lúcio Flávio Pinto
Fonte: Adital

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