A Fiesp tem razão quando diz que o preço da luz é um “roubo” no
Brasil. Mas quem pressionou pela implementação desse modelo foram seus
próprios filiados, o próprio setor privado.
Usina de Icem na fronteira de São Paulo e Minas Gerais - Foto: Luiz C. M. Rocha |
“Eles disseram
que se privatizasse o setor melhoraria a qualidade do sistema elétrico
brasileiro e o resultado foi o contrário: o preço aumentou e diminuiu a
qualidade do serviço”, afirma Gilberto Cervinski, coordenador do MAB.
“Antes
era monopólio estatal, agora existem os negócios da geração,
transmissão e distribuição”, destaca Cervinski. De acordo com ele, as
atuais concessões em vencimento, sobretudo na geração e na transmissão,
são praticamente todas de controle estatal, como as federais Chesf,
Furnas.
Com a reforma (privatização) do setor, realizada ainda no
governo de Fernando Henrique Cardoso, em meados dos anos 1990, foi
instituído um modelo de competição em que o preço se define pelas forças
de mercado, e criou-se o sistema tarifário por incentivo. A nova
estrutura permaneceu no governo Lula e impossibilita que a conta de luz
reflita os baixos custos da geração.
Conforme o atual modelo
cobram-se tarifas internacionais para os trabalhadores, que são os
consumidores cativos; e o fornecimento da energia para os grandes
consumidores, os “livres”, é bem mais barato. O consumidor livre paga,
em média, R$ 100 o Mw/h. Já os cativos, formados pela pequena e média
indústria, pelo pequeno e médio comércio e pelas residências, estão
pagando R$ 308 Mw/h. “Ou seja, três vezes mais que os livres”, critica
Cervinski.
Antes de 1995, o antigo modelo energético estabelecia o
controle público das tarifas, definidas pelo custo de produção real,
mais uma taxa de retorno do capital. “Essa taxa de retorno (taxa de
lucro), significava um futuro percentual de investimento para o setor.
Ou seja, o lucro das estatais transformava-se em melhoras no sistema de
geração, por exemplo”, explica Cervinski.
A partir da
implementação do modelo privatizado, adotou-se o sistema por incentivo,
com preços internacionalizados. “Primeiro, privatizou-se praticamente
tudo da distribuição (empresas que vendem a energia na ponta, para os
consumidores finais); a não ser algumas que davam prejuízo, como as do
Acre e Rondônia, que são da Eletrobrás, mas que estão em disputa hoje
também”, lembra o coordenador do MAB.
Mas por que o protagonismo
do setor de distribuição no contexto da privatização? Segundo Cervinski,
as geradoras continuaram vendendo a energia a um preço determinado, mas
a tarifa ao consumidor final foi elevada a preços internacionais. A
diferença ficou com as distribuidoras, ou seja, com a iniciativa
privada.
“Alto custo”
Mesmo
tendo em conta que consumidor livre paga bem menos que o residencial, o
presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
Paulo Skaf, afirma ao Brasil de Fato que se preocupa
com o “alto custo da energia”, pois compromete a competitividade do país
nos mercados interno e externo”. “O preço da energia também tem
contribuído para a transferência de negócios para países onde os valores
do insumo [energia elétrica] são mais atrativos”, destaca.
“A
Fiesp reclama do preço de energia, mas na verdade, os empresários hoje
podem escolher onde comprar energia. E podem comprar nesse mercado, que
oscila, mas muitas vezes a energia é bem mais barata do que o que nós,
consumidores pagamos”, critica Luiz Pereira, presidente do Instituto
Ilumina.
“Bolsa”
Segundo
Peireira, há muita gente ganhando dinheiro na área, os chamados agentes,
empresas que se dedicam só a comercializar energia elétrica. “Algumas
distribuidoras fazem isso”, destaca.
Essas empresas, segundo ele,
estão diretamente ligadas ao que ele denomina ‘grande capital’, em que
estão inseridos os bancos estrangeiros.
Ainda de acordo com o
presidente do Instituto Ilumina, a Aneel, que deveria regular o setor
tendo em vista o bem-estar do consumidor, é somente mais um órgão que
representa esses agentes. “Seus diretores são indicados por quem? Por
esses mesmos agentes”, lembra.
Por essas e por outras que, de
acordo com Carlos Kirchner, consultor em Energia e diretor do Sindicato
dos Engenheiros do Estado de São Paulo (Seesp), a Fiesp está contando
somente uma parte da história. “O [Paulo] Skaf representa as indústrias,
não os consumidores; ele é da Fiesp”, afirma Kirchner.
Falta de Planejamento
Na
opinião de Luiz Pereira, presidente do Instituto Ilumina, a gestão do
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso implementou mudanças
“grandes” no setor elétrico. Entretanto a que pesou mais, segundo ele,
foi a desestruturação do planejamento, então coordenado pela Eletrobrás.
“Se
você trabalhava para determinada empresa de energia elétrica, era
solicitado a trabalhar durante algum tempo na área de planejamento
coordenado pela Eletrobrás. Isso funcionou durante muitos anos”,
lembra Pereira.
Segundo ele, isso foi um dos principais motivos
do apagão de 2001. “Uma das causas foi a falta de investimento, mas
somou-se a isso a falta de coordenação entre os reservatórios, tudo por
falta de planejamento”, aponta. Entretanto, esse modelo do setor
energético permaneceu com Lula e agora, com Dilma. “É praticamente o
mesmo modelo mercantil do governo FHC, porém com planejamento. Ao menos
deixou-se de privatizar as empresas federais”, conclui.
Por Eduardo Sales de Lima
Fonte: Brasil de Fato
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