Os
tempos mudam. Muitos e muitos anos atrás, metade do século passado, não tinha
televisão. Não era como hoje. Quando o sobrinho Gabriel, seis anos, chega às
sete da manhã na casa da avó Lúcia, se aboleta no sofá e pede ‘disenho’,
enquanto seu tio Marino quer olhar o noticiário e os gols da noite anterior.
Naqueles
tempos de antanho - televisão nem existia -, a gente tinha alguns brinquedos ou
diversões principais. Em primeiríssimo lugar, o futebol. Bola de borracha,
pequena, média, grande. Quando apareceu a primeira de couro, foi uma vitória.
Quantas vezes papai Léo, relho ou bainha do facão na mão, nos esperava, nós,
guris e gurias, no potreiro em frente, o dia escurecendo, ele gritando e nós
espichando o tempo mais um pouco! Na frente da igreja São Luiz, ao lado da
escola, havia um campinho de terra. Nos recreios, intervalo de aula, quanta
unha arrancada, dedos destroncados, mas o futebol era sagrado.
Tinha
também as bolinhas de gude. Diversão na certa e com cada craque! E trepar em
árvores: goiabeira, pitangueiras, laranjeiras, bergamoteiras, e alguns tombos
memoráveis. De vez em quando pintava algum carro, sempre de madeira, aqueles
pesadões, mas que funcionavam na nossa imaginação. Como opção, tinha a carroça
e a junta de bois, ir na roça buscar pasto e passear (Hoje o Gabriel sobe no
trator). E ainda tinha o ‘frischtick’, o lanche no meio da tarde, uma delícia,
quase um piquenique. A gente sentava no meio do milharal ou da plantação de
aipim e comia um pão feito no forno de casa, com nata e ‘schmia’, e um pedaço
de lingüiça também caseiro, enquanto, do alto do morro, olhava os vizinhos
trabalhando na roça, ou fazendo fofoca a seu respeito.
Enquanto
isso, hoje, quando em algum lugar - hoteis, Congressos -, preciso dizer minha
profissão, escrevo com orgulho "Professor”. Fui professor de quase tudo:
português, literatura, geografia, história, moral e cívica, religião. Só não
fui de matemática, química, biologia, física e afins, sempre o meu fraco.
Entrei
na escola São Luiz de Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio
Grande do Sul, em 1958, com seis anos, cinco turmas, apenas um professor para
todos, Edgar Fröhlich. Não sei como, a gente aprendia a ler, escrever, fazer
contas, talvez melhor que hoje.
Nos
meus tempos na Escola São Luiz, havia uma disputa pelos primeiros lugares entre
três alunos da mesma turma. Havia então uma espécie de premiação no final do
ano. Os pais apareciam na escola e a gente tinha que fazer provas na frente
deles. Era apavorante! A disputa era entre o José Wünsch, falecido, o Elstor
Wolschick, não sei onde anda, e eu. Estávamos sempre entre os três primeiros. A
questão apenas era saber a ordem: quem primeiro, quem segundo, quem terceiro.
Estudávamos muito, líamos, mas também brincávamos, vivíamos. Sozinho, o
professor Edgar dava conta de tudo e nos preparava para a vida. Ele também era
responsável pela devoção na igreja nos domingos, era técnico e jogador do São
Luiz, animador das festas, voz importante nas decisões da comunidade.
Ser
professor/professora, mesmo com salários ainda baixos e dificuldades sabidas,
continua uma das profissões mais bonitas do mundo. Não é apenas ensinar onde
fica a Grécia, a regra de três, a composição das plantas, colocar as vírgulas
no lugar certo. É ensinar a viver, respeitar outros e outras, ser honesto,
participar da comunidade. Foi o que mais aprendi na Escola São Luiz. Vendo o
sobrinho Gabriel, que lá estuda, e participando eventualmente de festas e
celebrações da escola, é o que continua sendo feito hoje, sessenta anos depois.
Mudam
os tempos, o espírito de criança não: alegria, o jeito sincero de ser, o
sorriso franco, o gargalhar aberto, a brincadeira. Estou tentando todos os dias
preservar a criança ainda viva, ou o que resta dela. E levo no coração o
espírito de professor, de educador popular, na Rede de Educação Cidadã, nos
espaços de participação social e popular do governo federal. Não é fácil. Mas
sem ser criança no espírito e professor da vida não vale a pena viver e sonhar.
Viva
as crianças! Sempre. Viva as professoras e os professores da vida!
Por Selvino Heck
Fonte: Adital
Nenhum comentário:
Postar um comentário