Governo brasileiro
foge de audiência sobre Belo Monte na Comissão de Direitos Humanos da OEA
Convocado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) a participar, em 26 de outubro, de uma audiência em Washington sobre o
não cumprimento de medidas cautelares de proteção das populações indígenas do
Xingu, o Governo Federal anunciou, na última sexta, 21, que não comparecerá.
Em abril deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) da OEA determinou que o Estado brasileiro suspendesse as obras
de Belo Monte e que adotasse medidas urgentes para proteger a vida e a
integridade pessoal dos membros das comunidades tradicionais da bacia do rio
Xingu. Surpreendentemente, o governo brasileiro, além de descumprir as medidas
internacionais e conceder a Licença de Instalação do empreendimento, adotou uma
postura inédita de ameaça, desrespeito e deslegitimação do sistema
interamericano de proteção aos direitos humanos, repetindo no Itamaraty a forma
autoritária que adotou nos processos internos de licenciamento da usina. A
retirada da candidatura à CIDH do ex-Ministro de Direitos Humanos Paulo
Vannuchi e a ameaça de suspender o pagamento da contribuição à OEA foram alguns
dos expedientes de chantagem usados pelo Estado brasileiro após a determinação
internacional de suspender Belo Monte.
No dia 26 de setembro de 2011, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA convocou o governo brasileiro e as organizações que
representam as comunidades indígenas (Movimento Xingu Vivo para Sempre,
Sociedade Paraense de Direitos Humanos, Justiça Global, AIDA) para uma reunião
de trabalho na próxima quarta-feira, dia 26 de outubro, em Washington, sede da
Comissão Interamericana. Desde então, as comunidades e as organizações
peticionárias vinham buscando recursos para garantir que Sheyla Juruna e
Antonia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre, viajassem
desde Altamira, no Pará, até os Estados Unidos, para participar da audiência. A
comunicação do governo à CIDH e aos peticionários, de que o Brasil "não se fará
representar”, pegou a todos de surpresa.
A decisão do Brasil ocorreu dias depois do julgamento da ACP
2006.39.03.000711-8, que exige o cumprimento do artigo 231 da Constituição e da
Convenção 169 da OIT, para que o Congresso Nacional realize a consulta prévia,
livre e informada aos povos indígenas afetados por Belo Monte. No último dia
17, a desembargadora Selene Almeida, do Tribunal Regional federal da Primeira
Região (TRF1), de u voto favorável ao requerimento, que então foi objeto de
pedido de vistas pelo desembargador Fagundes de Deus.
A postura do Brasil tem poucos precedentes na História, e
pode ser comparada à de Trinidad e Tobago (1998) e do Peru (1999) que,
governado por Fujimori e insatisfeito com as decisões da Comissão e da Corte
Interamericana, ameaçou sair do sistema interamericano. Vários especialistas da
região têm avaliado que o Brasil passou a desempenhar, a partir deste ano, um
papel chave para debilitar a Comissão Interamericana.
Em toda a história da participação no sistema
interamericano, esta é a primeira vez que o Brasil falta uma reunião de
trabalho convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A
decisão expõe a covardia de um governo que, sabendo das ilegalidades e
arbitrariedades cometidas no processo de licenciamento e construção de Belo
Monte, evita ser novamente repreendido publicamente pela Comissão. Mas não só
isso: o Estado brasileiro dá ao mundo um triste exemplo de autoritarismo e
truculência, deixando claro que o país estará fechado para o diálogo quando for
contrariado em instâncias internacionais.
Belo Monte: símbolo
da sanha ditatorial
Em 1989, após passar por 21 anos de ditadura militar, o
Brasil se preparava para as primeiras eleições diretas para presidente desde
1960. Cerca de três mil pessoas se reuniram na cidade de Altamira, no Pará,
para participar do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, um marco
democrático da luta em defesa da Amazônia. Quando o então presidente da
Eletronorte apresentou as intenções do Governo de construir a mega-usina
hidrelétrica de Kararaô, na Volta Grande do rio Xingu, a índia Tuíra se aproximou
da mesa e, em um gesto emblemático, encostou o facão nas faces do "homem
branco”. A imagem correu o mundo, e sua força e dramaticidade serviram para
disseminar o grito de indignação dos indígenas contra as intenções de
governantes e empresários de construir um complexo hidrelétrico em uma das
regiões de maior biodiversidade da Amazônia.
Há poucos anos, seria difícil imaginar que aquele projeto,
desenvolvido quando vivíamos páginas infelizes de nossa História e praticamente
sepultado durante o processo de redemocratização do país, seria ressuscitado
com outro nome: Belo Monte. Pior: que, justamente em um momento de afirmação e
consolidação de nossas conquistas democráticas, este projeto seria imposto de
forma autoritária, desrespeitando a vontade dos povos da Amazônia, violando a
legislação brasileira e ignorando tratados e mecanismos internacionais de
proteção aos direitos humanos.
O Governo de Dilma reforça mais uma vez a cara dupla que
assumiu quando o assunto é direitos humanos: para fora, nas tribunas e púlpitos
da ONU ou da imprensa estrangeira, discursos exemplares; para dentro, no
quintal de casa, uma postura arbitrária e a relativização dos direitos de
alguns brasileiros que estão no caminho dos seus planos e projetos.
As organizações abaixo assinadas repudiam veementemente o
não comparecimento do governo brasileiro em audiência da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e, mais uma vez, afirmam a
necessidade de que a construção da hidrelétrica de Belo Monte seja
imediatamente suspensa, para que sejam respeitados os direitos dos habitantes
do município de Altamira e de todas as comunidades tradicionais do Xingu.
24 de outubro de 2011.Assinam esta Nota:
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Justiça Global
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
Prelazia do Xingu
Conselho Indigenista Missionário
Dignitatis - Assessoria Técnica Popular
Movimento de Mulheres de Altamira Campo e Cidade
Rede Justiça nos Trilhos
Associação dos Indígenas Juruna do Xingu do KM 17
Mutirão pela Cidadania
Mariana Criola - Centro de Assessoria Popular
Fonte: Adital
Nenhum comentário:
Postar um comentário