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"Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros". (Che Guevara)

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Licenciamento às avessas: empresa inicia desvio do Xingu sem saber até onde chega o lago da barragem.


Funcionário da CART, empresa com sede em Aracaju, encarregada do nivelamento do lago da barragem de Belo Monte, deixou vazar a informação, no dia 31/01, na Agrovila Sol Nascente, de que a empresa tem até o final deste ano de 2012 para fazer o trabalho na região de Assurini, uma área de 6 mil famílias, quase 30 mil pessoas, da qual boa parte teme ser prejudicada pela barragem.
O trabalho de nivelamento significa a medição que mostra até onde chegará o lago da barragem. Isso equivale a afirmar, então, que a Norte Energia iniciou as obras civis de Belo Monte – acessos, alojamentos e, em janeiro deste ano, o desvio do Xingu com uma ‘estrada’ de 500 metros no seu leito – sem saber até onde chegarão as águas represadas.
Esse licenciamento às avessas, que ‘permite’ cercar o rio para depois dimensionar a área afetada e os prejuízos ambientais e sociais, deixa a população atingida confusa e totalmente insegura, sem saber se é ou não prejudicada. Ainda mais no caso de Belo Monte, que é muito grande e complexa.
Essa inversão na lógica do licenciamento ambiental, como a começar uma casa pelo telhado, tem sido comum em obras de barragens de empresas privadas cacifadas pelo governo, como o é Belo Monte. A de Santo Antônio, no Rio Madeira, por exemplo, foi implantada 9 km fora do eixo aprovado pelo Ibama.
Assurini é uma área imensa, a maior comunidade rural de todo o Estado do Pará. É um assentamento do INCRA com predomínio de agricultura familiar, cujas atividades principais são pecuária e lavoura de cacau. Até o ano de 2010, de acordo com a Secretaria de Agricultura de Altamira, Assurini era responsável por 60% da produção de alimento no Município. Sua localização é à margem direita do rio, na curva em frente à Volta Grande do Xingu, onde está sendo construída a barragem.
Estrada que poderá atingir 400 famílias não estaria no projeto
Givaldo Pereira Prado, 50, morador na Comunidade São Rafael, disse que há menos de um mês ouviu no programa Sinal Verde notícia de que a Norte Energia iria construir uma estrada no Assurini, desde a balsa até a região da Mangueira, numa extensão de 50 km, com uma faixa de 50 metros de largura, atingindo aproximadamente 400 famílias de assentados, em torno de 2 mil pessoas. A estrada é uma segunda opção importante para acesso ao canteiro de obras. Segundo ele, desde esse dia uma grande movimentação de carros e trabalhadores vem ocorrendo na região, entrando nas propriedades, fazendo medição e cadastramento das famílias. ‘Hoje, dia 31 de janeiro, faço 50 anos de idade e, no dia do meu aniversário, vou ficar em casa aguardando o homem da barragem para o cadastramento’, confessou.
Prado resume a sua história, que expressa o sentimento dos moradores: ‘Cheguei aqui em 1994, não havia estrada, foi aberta com facão uma picada de 6 km na mata. O INCRA entrou nessa parte do Assurini assentando as famílias em 1997. A gente colhia muito arroz. Eu colocava quatro ladas nas costas [60 kg] e cada um dos filhos colocava uma, e a gente andava 9 km.  O sofrimento foi grande. Mas estou feliz com a conquista da terra para criar meus cinco filhos’. E conclui: ‘Um funcionário me perguntou quanto valia meu lote. Respondi que não tenho terra para vender. Queria viver e morrer aqui, deixando a terra para os filhos. Mas agora sou obrigado a sair, sem saber quando nem para onde’.
Paulo Guilherme Cabral, coordenador da Operação Cidadania Xingu, que visitou Assurini nos dias 30 e 31 de agosto de 2011, testemunha o sofrimento do povo: ‘chegar até aqui foi muito difícil. O que essas pessoas enfrentam diariamente é muito penoso’ – blogbelomonte.com.br.
Toda a comunidade de são Rafael está indignada: ‘fomos julgados, condenados, sem direito a nada e sem nem saber, agora estamos esperando só a execução, afirma um’. ‘Colocaram a corda no nosso pescoço, agora falta o carrasco puxar’, afirma outro. ‘O homem da barragem disse que eu posso sair agora, daqui noventa dias ou dentro de oito anos, tudo depende das águas’, afirma um terceiro.
Edvaldo de Oliveira, Cajá, 39, é missionário na área de Assurini, e foi enfático: ‘Nós temos direito a escola, saúde, isso é política pública. A barragem aqui é um atrapalho’. E concluiu: ‘Precisamos abrir os olhos do povo, a organização é o principal caminho. Se não, daqui dez ou vinte anos, vamos perceber o estrago, e não tem mais jeito’.
O MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens repudia a ação prepotente das empresas donas de Belo Monte e do governo, que aprovam a barragem ‘na marra’ e iniciam sua construção restringindo seu planejamento às obras civis. Isso é um crime, e só vai fazer agravar ainda mais os seus impactos negativos sobre o povo e o ambiente.
Fonte:MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

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